in loco - mostra de tiradentes 2008
Meu Nome é Dindi - Que o antigo sirva o novo
por Francis Vogner dos Reis

A premiação de Meu Nome é Dindi, de Bruno Safadi, pelo júri da crítica na 11ª Mostra de Cinema de Tiradentes é sintomática do momento do qual a Mostra de Tiradentes tem sido um canal de compreensão nos últimos tempos. Um momento de realizadores jovens, com questões estéticas e temáticas novas; um momento onde se preferiu virar a página da história a ficar repercutindo polêmicas velhas e insolucionáveis problemas estruturais; um momento em que a discussão sobre "criação" supera a do dinheiro, justamente porque se arruma novas maneiras de trazer as idéias à luz; momento este em que se olha para o futuro ao se resgatar a melhor lição que o passado nos deu: fazer muito a partir do pouco. Meu Nome é Dindi é justamente isso, um elo entre um cinema novíssimo e as lições possíveis que os nossos melhores cineastas modernos deixaram e que finalmente a conjuntura possibilita (com todas as dificuldades que isso acarreta) que sejam colocadas em prática.

Existe em Meu Nome é Dindi uma tensão entre a tentativa de se preservar uma herança e uma memória e a violência das coisas novas (movidas pelo capital, mas não só), que descaracteriza e soterra de vez qualquer possibilidade de que o novo contenha em si o antigo como maneira de auferir alteridade à tradição. Temos Dindi (Djin Sganzerla), que em uma zona central do Rio de Janeiro possui como herança uma antiga quitanda à beira da falência, é achacada por um violento açougueiro (Carlo Mossy) e tem a sua situação tratada com desprezo pelo representante da associação comercial do bairro. Possui um namorado militar aparentemente impotente perante a situação. Na descrição desse ponto de partida, pode parecer que o filme de Bruno Safadi sofre de um decadentismo que localiza no passado o que era autêntico e no novo o que é naturalmente predatório. Não é bem por ai. Em Meu Nome é Dindi, há uma dificuldade da convivência do antigo com o novo, a impossibilidade de que haja uma continuação e preservação dos valores das coisas que com o tempo, naturalmente, viram história.

É um filme de resistência, afirmativo. É um trabalho reflexivo sobre o que foi e o que é o cinema brasileiro. É um filme atual e tardio, atual porque ele estuda a encruzilhada entre o que seria uma tradição do cinema moderno e a possibilidade de um cinema de invenção novo e contemporâneo, tardio porque ele vem acertar as contas agora com esse cinema realizado entre as décadas de 70 e 80, entre a Belair e o início da era Collor. À exceção de Conceição - Autor Bom é Autor Morto, não existiu outro filme longa-metragem de cineasta jovem durante os últimos anos que tentou refletir sobre o que Jairo Ferreira chamou de "cinema de invenção", pelo menos dessa matriz do pós-cinema novo, ou cinema marginal, como alguns preferem chamar.

Se percebe logo de cara que Meu Nome é Dindi bebe nessa matriz do filme de invenção, sobretudo certo cinema da década de 70 (Rogério Sganzerla, Julio Bressane, Luiz Rosemberg), mas também de outros cinemas, como os filmes de Roman Polanski que assumem o seu universo a partir da percepção que a personagem tem do mundo como O Inquilino e Repulsa ao Sexo. Com episódios dispostos lado a lado, vê-se claramente um painel que pretende abarcar vários tipos de registro, muitos princípios dramáticos, mesmos que farsescos. Ter o universo do filme a partir da percepção que a personagem Dindi tem do mundo é um dos grandes achados do filme de Bruno Safadi, feito de uma marca pessoal, no qual vemos um criador que não busca simular um cinema com a marca do que foi feito no Brasil na década de 70, mas fazer de suas referências mais gerais elementos que componham um filme particular e contemporâneo, não uma mera homenagem ao passado, aos seus mitos e símbolos.

Assim, não temos uma atriz que é uma imitação de Helena Ignez na Belair, mas a Djin Sganzerla, que, a despeito de ser filha, literalmente, do cinema moderno brasileiro (filha de Helena Ignez e Rogério Sganzerla), tem personalidade forte e própria, tem autonomia - mas também não é possível deixar de lembrar de quem descende consanguínea e artisticamente, pois isso, para Meu Nome é Dindi, é importante. Djin como Dindi é fundamental: mesmo descendente do que há de melhor em nossa cinematografia, ela não é o passado, mas, absolutamente, o presente. Não temos uma homenagem à Maria Gladys, mas a própria, é assim também com Carlo Mossy. Esses dois podem ter uma aura do que "já foram", mas no filme de Safadi eles não estão em registro de auto-homenagem. Eles são atores exercendo o mesmo trabalho que sempre fizeram e não há nenhum regressivismo nisso.

Entre a tradição e o contemporâneo fica o gosto em experimentar as possibilidades da imagem sonora e da imagem visual. A sequência em que Dindi, em um clima de paranóia, se vê acuada e perseguida dentro de sua própria casa (com a imagem do grande olho estilizado na parede), por alguma instãncia externa, é um dos grandes momentos do filme, em que se revela um diretor não só preocupado em trabalhar com símbolos, mas que tem um apreço pela construção rigorosa de uma cena dramática, o que certamente o aproxima mais do gosto atual em fazer algo que se abre para uma série de possibilidades (como Conceição, no ano passado) do que um filme que se adeque a um tipo de cartilha do "experimental", que busque uma problematização das questões de percepção, algo típico dos anos 70 e ausente de Meu Nome é Dindi como projeto fechado. Não é por acaso, entre essas fissuras que vinculam o contemporâneo ao passado, que em um dos episódios do filme existe uma crise entre Dindi e aquele que supostamente é seu pai e que foi assassinado.

Em Meu Nome é Dindi, Bruno Safadi não faz um cinema de mero resgate, mas de afirmação, de resistência, levando-se em conta que o olhar para o passado não é uma reciclagem de elementos e signos, mas sim da postura e da liberdade do diretor com sua obra, de submissão não às condições restritivas (elas sempre existem e sempre existirão), mas ao desejo de cinema. Certamente um dos mais belos filmes vistos em Tiradentes, de impacto estético particular. Uma construção de uma ponte entre o que tivemos de melhor e mais radical em nossa história e a ânsia cinematográfica de uma nova geração preocupada com um cinema livre. Meu Nome é Dindi não é o futuro do cinema brasileiro, mas o presente, o que impõe a todos (e ao seu autor em particular) responsabilidades e desafios. Portanto, sigamos.

Fevereiro de 2008

editoria@revistacinetica.com.br


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