Vocês, Os Vivos (Du Levande),
de Roy Andersson (Suécia/Alemanha, 2007)
por Eduardo Valente

Um caloroso niilista

Existem duas aproximações possíveis (diria até necessárias) frente ao particular cinema do sueco Roy Andersson. Se nos atemos ao universo que se apresenta na tela, é difícil negar a maestria de Andersson sobre ele. Andersson filma uma série de esquetes (a maioria com algum fundo cômico, mas nem todas), quase todas elas resolvidas em um plano e quase todas com a câmera fixa (há duas com movimentos de câmera, e uma onde o movimento acontece por que a mesma está dentro de um trem). Embora episódico, estas esquetes se relacionam tanto pela presença constante de alguns personagens como pela montagem em continuidade eventual (um homem num prédio vê os personagens da esquete anterior pela janela, etc).

Na montagem deste universo todo seu, Andersson usa uma mesma luz fria onde seus atores e ambientes são criados de maneira verossímil, mas nada realista. Se o registro das atuações nos remete a algo próximo do cinema do finlandês Aki Kaurismaki, os cenários construídos em estúdio que criam toda uma cidade lembram bastante o Tati de Playtime. Só que as referências a qualquer outro cineasta só podem ser feitas tentando encontrar pontos de contato, porque não resta dúvida de que o resultado da equação aqui montada cria um mundo absolutamente à parte, como só se vê mesmo no cinema de Andersson. Neste, o que mais impressiona é a maneira como ele resolve este seu mundo a partir de uma lógica interna que combina uma estranheza única a uma comicidade realmente hilariante, com um domínio indiscutível do tempo de encenação de comédia.

É preciso, no entanto, dar um passo atrás (ou para fora) deste mundo-Andersson para se tentar entender o que ele nos diz do nosso mundo aqui fora da tela. A princípio parece o caminho mais fácil acusar o cinema de Andersson de ser feito às custas do riso ridicularizante em cima da condição humana, num cinema que afirma a existência como uma comédia patética (e um tanto fadada à desimportância, se atentamos para o plano final – aliás, de uma construção visual e dramática marcante). Se de fato seria tolo negar o componente bastante presente deste proto-niilismo no mundo criado por Andersson, parece igualmente limitador ficar nele, como se seu cinema fosse tão somente o de um demiurgo distante e desinteressado.

Fazendo isso, o espectador precisaria virar as costas para a capacidade que ele tem de unir uma ironia finíssima sobre a experiência das relações humanas, sem perder por nem um segundo o apego e o calor para com seus personagens. Sem dúvida eles parecem perdidos no meio desta comédia que não parecem dominar, mas ao mesmo tempo é marcante a maneira como Andersson os filma tentando o tempo todo cruzar as fronteiras que parecem separar as experiências humanas. Principalmente, é preciso notar a forma como Andersson se interessa pelo ato de sonhar dos seus personagens: não são nunca personagens conformados com sua condição, seja ela a da solidão, seja a da convivência que não os completa.

Não por acaso, as duas personagens mais destacadas do filme são a mulher que afirma o tempo todo sua infelicidade, mas que volta atrás sempre na sua promessa de abandonar tudo e se apega ao carinho cotidiano que seu namorado (e cachorro) a dispensam; e a outra que sonha uma vida feliz com o objeto de seu afeto, ao ponto de alterar completamente a lógica física do mundo e transformando um prédio num objeto em movimento. Através delas (mas não só), fica claro que o cinema de Andersson afirma sim uma profunda dúvida existencial sobre a lógica que rege este nosso mundo, mas ao mesmo tempo se coloca ao lado e de frente (nunca acima) a um desejo pungente de todos os personagens em ultrapassarem a dor da existência e atingir alguma forma de transcendência e felicidade dentro deste mundo-aquário.

Outubro de 2008

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