Educação (An Education),
de Lone Scherfig (Inglaterra, 2009)

por Fabio Diaz Camarneiro

Passagem para o trauma

Aparentado a um gênero literário, o bildungsroman (romance de formação), Educação é a história da passagem da infância à adolescência: a descoberta do sexo, a despedida da casa paterna, a entrada na universidade. A personagem principal é uma estudante na Londres dos anos 1960. Uma garota bastante inteligente e um tanto pretensiosa que, ao invés dos Beatles ou dos Rolling Stones, amava a cantora francesa Juliette Greco. Jenny vive com os pais em um pequeno sobrado de classe média, toca violoncelo e quer ingressar na universidade de Oxford. Mas sua vida é chacoalhada quando conhece David, um homem mais velho, um tanto misterioso, que lhe apresenta outro mundo, com luxo, casas noturnas, boemia, pequenos delitos e, claro, sexo.

Diferente da cultivada Jenny, esse homem um tanto misterioso afirma ter se graduado na “universidade da vida”. Para alguém que vive entre livros e adolescentes um tanto caricatos (dos quais o outro pretendente de Jenny é o maior exemplo), David parece fascinante. Mesmo os pais da menina logo se rendem à sua lábia. Quando ele está em cena, a câmera se concentra no olhar triste e opaco de Peter Sarsgaard, nos pequenos detalhes que podem denunciar quem, afinal, é esse homem. O ponto de vista é sempre o de Jenny. Sabemos o que ela sabe, vivemos o que ela vive, e isso cria um suspense constante, como se estivéssemos a um passo da tragédia. Será tudo parte de um estratagema? David e seus amigos bon vivants pretendem enganar a garota? Envolvê-la em algum esquema ilícito? Ou apenas se aproveitarem dela sexualmente? A construção de Educação denota uma espécie de medo do mundo adulto, medo do estupro.

O extremo oposto de David encontra-se na professora de Jenny, Miss Stubbs, personagem que parece ter sucumbido a esses medos. Trata-se de uma mulher bonita que tenta a todo custo negar sua sexualidade. Que se conforma com o mais trivial desejo burguês: um emprego, um salário, uma casa, sendo que todos os outros desejos e também seu próprio corpo são negligenciados para que ela se encaixe na ordem social. Educação entende o mundo de maneira esquemática, quase maniqueísta: o vício versus a virtude; a experiência versus o saber; os prazeres versus o rigor. Opostos dicotômicos, incomunicáveis. Além de simplista, parece um tanto anacrônico pensar nos anos 1960 dessa maneira, desconsiderando a revolução sexual em curso, a mudança dos costumes e dos valores sociais.

O roteiro do escritor Nick Hornby (baseado nas memórias da jornalista britânica Lynn Barber) parece se ater ao universo de seus próprios romances: adolescentes nerds, fascinados por música e por produtos culturais, mas com dificuldade de encararem a experiência, a vida em estado bruto. Nesse sentido, Educação, apesar de se passar nos anos 1960, fala mais da juventude dos anos 2000: uma juventude mais isolada em suas referências culturais e, certamente, muito mais careta. Jenny vive um aprendizado, mas, paradoxalmente, ao final do filme, ela joga todo esse aprendizado fora em troca das convenções, da tradição, da ordem e da educação formal. Jenny escolhe a repressão de seus desejos, uma certa não-sexualidade. Mesmo a cena final, idílica, um passeio de bicicleta nas imediações de Oxford, parece colocar em cena esse deslocamento: ao lado das imagens, que representam a conquista dos objetivos da personagem, a narração em off revela que tudo aquilo sobrevive devido a um teatro, uma mentira; a negação, para si mesma, dos desejos.

É aí, na cena final do filme, que efetivamente começa o drama de Jenny; é aí que tem início seu trauma. Daí em diante, todos os homens serão divididos entre Davids (a promessa do prazer associado ao engano) ou seu próprio pai (doce, porém ingênuo, submisso). Jenny está prestes a se tornar outra Miss Stubbs. Não deixa de ser um tanto chocante esse elogio ao trauma, a condenação do desejo e da experiência vivida em favor da ordem careta do sistema educacional britânico – um dos mais retrógrados do mundo, como lembra uma pequena obra-prima dirigida por Ken Loach em 1968, Kes. Apesar de contar com excepcionais desempenhos de seus atores (que garantem grande parte do interesse do filme), Educação parece sucumbir à sua própria caretice e ao convencionalismo.

Março de 2010

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