Elefante Branco (Elefante Blanco),
de Pablo Trapero (Argetina/Espanha, 2012)
por Filipe Furtado

A má consciência

Já se vai pouco mais de uma década desde que Pablo Trapero surgiu com Mundo Grua e El Bonaerense; seu caminho desde então não poderia ser mais inesperado. Para quem era visto como um renovador do cinema local – nem uma estrela do circuito de festivais (Martel, Alonso), nem dos arteplexes locais (Burman) – seus filmes de Família Rodante em diante se moveram na direção de cultuar cada vez mais um filão de cinema narrativo de qualidade. Um cinema apoiado sobretudo na facilidade com que Trapero une um bom olhar para detalhes de universos específicos com uma fruição narrativa com poucos pares no cinema latino. É uma fórmula de considerável sucesso (inclusive, em alguns momentos, como Leonera, alcança uma força notável), mas que aos poucos parece cada vez mais cobrar seu preço de cineasta. Leonera, Carancho e agora este Elefante Branco revelam uma progressiva má consciência, como se o cineasta precisasse compensar de alguma forma a facilidade com que equilibra seus filmes.

Elefante Branco completa o ciclo de forma previsível: a leveza de Família Rodante foi completamente substituída por uma narrativa inflada em que a necessidade de pontuar a relevância do projeto. Faz sentido que a ideia do sacrifício esteja sempre assombrando o filme, pois ele próprio parece pronto a se oferecer como expiação a qualquer momento. Não podemos acusar Trapero de ser um cineasta desonesto; tudo aqui, a começar pelo título, é sobretudo transparente. Se Mundo Grua e El Bonaerense chegavam até o subúrbio de Buenos Aires através de um cuidadoso acumulo de detalhes, Elefante Branco se lança sobre sua favela com o peso do hospital do titulo. Todo o trabalho de Trapero é voltado para criar uma atmosfera “realista” que revele a aspereza do espaço. Há pouquíssima autenticidade no local e, por vezes, parecemos estar distante do mesmo par de vielas que o cineasta reproduz por ângulos diferentes num loop constante. O foco é tão estreito que o efeito claustrofóbico é inevitável.  

Elefante Branco é fascinado pela permanência do seu pequeno inferno - o hospital, as ruas, mesmo seus coadjuvantes populares – e Trapero parece desesperado para garantir-lhes uma força que exista para além do filme e que reforce que são todos espaços/corpos assombrados que, apesar disso, existem.  Há uma sequencia genuinamente forte em que o padre vivido por Jérémie Renier vai buscar um corpo, na qual o trabalho de ambiência (que lembra um pouco os momentos mais fortes do Brillante Mendoza) alcança um peso real. Como contraponto perdido no meio da abordagem mais bombástica de Trapero, aqui estão as outras sequências de ação em que a favela vira espaço de conflito entre forças díspares (diferentes grupos de traficantes, polícia), nas quais os esforços de coreografia parecem equalizar a grandiloquência de encenação com a gravidade que o filme deseja.

Para um cineasta que se notabilizou como contador de histórias, o preço da má consciência só poderia ser uma inércia narrativa. Elefante Branco se move com uma dificuldade enorme de uma sequência grande para a seguinte sem jamais desenvolver sua dramaturgia. Por vezes, Trapero parece buscar um filme de climas pontuado pelas três sequencias iniciais que ajudam a estabelecer seus dois protagonistas como homens mortos antes mesmo da ação em si se iniciar, mas falta a ele uma variação maior de tom do que a afirmação constante da sua mão pesada. A esta altura Trapero, está habituado demais a sua formula para se entregar à pura construção de atmosferas.

Tanto Renier como Ricardo Darin são forçados a manter a mesma expressão tensa que só reforça a monotonia geral que domina Elefante Branco. As infusões periódicas de energia (geralmente pelo viés de alguma nova tragédia) resultam por demais calculadas para surtir efeito.  A presença de Renier não deixa de ser informativa na medida em que sempre existiu um paralelo entre o arco da carreira de Trapero e dos irmão Dardenne. A diferença é que os irmãos belgas fizeram o trajeto de cultores de um naturalismo para cultores de um classicismo com a tranquilidade de quem vinha neles extensões naturais. Para Trapero, porém, a passagem nunca foi tão simples: entre as duas identidades havia um peso e um preço a se pagar. Na Argentina, assim como no cinema brasileiro, não se pode se assumir clássico com impunidade; cedo ou tarde será sempre necessário cometer um elefante branco.

Setembro de 2012

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