in loco - cobertura dos festivais
Escola Secundária (Escuela Normal),
de Celina Murga (Argentina, 2012)
por Filipe Furtado

O pensamento institucionalizado

À parte a família, o colégio é a primeira instituição com que o jovem toma contato. É desta constatação que Escola Secundária parte. Trata-se de um documentário observacional sobre o último trimestre de uma escola colegial, mas que revela rapidamente que seu interesse está longe do funcionamento do colégio (salvo um par de sequências que acompanham a diretora enquanto ela resolve uma série de pequenos problemas que ajudam a estabelecê-la como grande mantenedora da ordem daquele espaço), ou mesmo dos seus alunos. Interessa aqui a ideia que estamos num espaço com regras e lógicas muito claras, todo pensado com a intenção de transferi-las para aqueles que a frequentam. O que há de mais interessante no filme é justamente ser um documentário observacional em que se observa não um objeto, mas a passagem de um conhecimento organizado, com sentidos claros, de um espaço (a escola) para um grupo (os alunos), e exatamente o que este grupo faz com ele.

No seu longa-metragem anterior, Una Semana Solos, Celina Murga já voltara suas câmeras para o universo adolescente – no caso, uma ficção sobre um grupo de adolescentes (e pré-adolescentes) que passam uma semana sozinhos, como o título promete. A principio, aparenta ser um exato oposto deste novo filme, já que nele acompanhávamos um grupo de adolescentes majoritariamente isolados da sociedade, em constante repouso e em busca de formas de preencher seu tempo. Mas, na verdade, o novo filme só oferece o que era o fora de campo do trabalho anterior. Se Una Semana Solos mostrava jovens isolados, que ainda assim não tinham como não repetir uma série de preceitos da sociedade argentina, Escola Secundária busca o espaço que os preparou para isso. Toda instituição, afinal, existe sobretudo para se perpetuar (algo que a sequência final reforça), e o colégio não será diferente.

Após apresentar sua escola, Murga rapidamente move sua ênfase para uma eleição de representantes estudantis e algumas poucas aulas, que tratam de temas coma a constituição argentina. Seria fácil para a cineasta (que, como sempre, trabalha em parceria com o marido Juan Villegas - ele próprio um cineasta habilidoso, que co-assina aqui o roteiro e a produção) usar esta eleição como simbólica da política nacional. Mas o foco de Escola Secundária segue firme no conceito da transferência: o que importa é somente ver os jovens pegarem as lições de civismo do colégio e as transportarem para um uso prático. Logo, todas as discussões, discursos de campanha, alegrias e decepções da eleição estudantil não funcionam como um microcosmo da sociedade (estamos longe da cretinice de algo como As Melhores Coisas do Mundo), mas como mera primeira etapa dela, parte do processo que levará a muitas outras eleições de significado maior. Trata-se de um evento em meio a uma série de eventos que o filme capta, apenas com mais tempo de cena – série essa que só reforça a ideia de instituição se perpetuando com seus princípios, hábitos e tradições.

Não haverá, em Escola Secundária, espaço para muitas individualidades (o que frequentemente limita um pouco o apelo do filme), mas Murga capta muita muito bem uma série de tiques comportamentais dos seus estudantes que lhes garante uma força de retrato. O filme se revela muito mais interessante nas cenas com os jovens do que nos raros momentos em que muda seu foco para os professores, sequências que tendem a emperrar num certo didatismo. Há uma tensão constante em Escola Secundária: suas sequências acompanhando os adolescentes raramente permitem um momento de respiro, a possibilidade de existirem por eles mesmos; é preciso sempre retomar o peso de ser membro daquele universo - fardo que Murga deposita sobre seus personagens, e que eles carregam com dificuldade. Este fardo é entrecortado por uma curiosidade legitima, que dá as caras em algumas poucas sequências que vão além da tese - momentos em que adolescência consegue existir com alguma potência antes de ser enquadrada na lógica triste da instituição.

Outubro de 2012

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta