in loco - cobertura dos festivais
Esperando Telê, de Rubens Rewald e
Tales Ab’Saber
(Brasil, 2009)
por Fábio Andrade
Montagem
de afecções
Esperando Telê é um filme curioso
por tudo que ele se torna, mesmo que à revelia de seu projeto inicial.
A princípio, talvez pudéssemos esperar um documentário mais convencional
sobre uma personagem (Telê Santana) e seu universo (o futebol);
mas, como indica o título, essa personagem não chega, e esse filme
também não. O que sobra é um estilhaçamento completo dessa figura
e desse mundo (não é disparate algum pensar em I’m Not There,
de Todd Haynes), que resulta em um filme de época: Esperando
Telê é um filme sobre o Brasil em 1993-1994, perpassado pelo
futebol – pois não poderia ser diferente – mas não apenas debitário
dele.
Sobrevivem, nas entrelinhas, o momento político, as mudanças de
mentalidade e de comportamento, a relação com as imagens, as roupas,
as mudanças monetárias; e é justamente daí que sai o filme mais
interessante. Isso se dá, não exatamente
pela implicação natural de todo filme ser um documento de época,
mas sim porque Rubens Rewald e Tales Ab’Sáber retomam esse material
com a consciência desse distanciamento, e percebem que, na ausência
de Telê, existe um mundo que gira ao seu redor - que é circunscrito
por ele e, ao mesmo tempo, determina a importância de seus gestos.
Se Telê aparece, pelas imagens de televisão, como um último bastião
confiável da ética no futebol, é inevitável que tal impressão reflita
a era Collor, a descrença generalizada, e uma eventual mudança do
futebol de fé (Telê) para a administração funcional e fria da era
Parreira. Esperando Telê flagra o momento em que o Brasil
começa a querer se profissionalizar.
Por
isso mesmo, é inevitável que o subtexto político do filme esteja
justamente em sua desigualdade: em época de busca pela profissionalização,
Esperando Telê é um monstro torto e mal ajambrado. Há muito
de político nessa ação, embora nem sempre ela funcione a favor
da fruição – há longos clipes musicais de imagens frequentemente
inúteis, e desvios tão brutais (toda a parte sobre Pelé, por exemplo)
que por vezes parecem realmente perdidos dentro de um outro filme.
Mas há algo louvável nessa desobediência que usa uma personagem
notável para falar tanto da inabilidade de se chegar até ela (lembremos,
mais uma vez, da obra de Todd Haynes), quanto da percepção de
que ela não pode existir fora de seu momento histórico, com seus
impulsos congelados, pairando sobre um tempo que não mais existe.
A montagem de Esperando Telê é uma montagem de afecções
no sentido literal da palavra: os sentidos se contaminam e se
transformam, se espalham como uma doença não-diagnosticável, destruindo
o que restava do sujeito, mas dando origem a um novo organismo.
Esse processo é mais aleatório do que sistemático – o que fica
claro na maneira como os diretores preservam a estrutura de plano
e contraplano dos programas de televisão usados no filme, assimilando
suas construções de personagens (os closes de Parreira como vilão
são extraordinários) quando elas parecem suficientemente fortes
como documentos a serem reavivados, mas digressionando sempre
que a espiral começa a girar em falso. Em Esperando Telê,
o que fica de mais marcante é justamente esse abraço torto do
não-convencional, esse filme que realmente parece poder mudar
de rumo e olhar a qualquer momento, mas que conserva algo de autêntico,
de fiel ao espírito do filme e ao olhar dos diretores nessa autofagia.
Janeiro de 2010
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