Esposa de Mentirinha (Just Go with It),
de Dennis Dugan(EUA, 2011)
por Fábio Andrade
Um filme de Adam Sandler
Adam Sandler é um sujeito curioso. Formado nas divisões
de base do Saturday Night Live, criou um estilo de humor bastante
improvável, com uma dicção que beira o ininteligível,
piadas que debocham de sua própria grosseria e falta de
traquejo, e um claro desejo não-correspondido de ser uma
espécie de rockstar entre os judeus americanos. O que é
mais surpreendente, porém, é que todo esse plano
deu certo. Adam Sandler é não só um embaixador
para as massas do humor calcado na mais pura demência -
hoje reproduzido tanto nos trabalhos de Will Ferrell e Tracy Morgan,
que seguiram os passos de Sandler no SNL e levaram adiante várias
de suas estratégias, quanto em personagens de desenho animado
como Bob Esponja - mas também uma espécie de penúltimo
bastião dos farrapos do star system. Às
favas com Dennis Dugan - o diretor medíocre que assina
vários dos projetos do ator -, com a vivacidade dos roteiros,
com o interesse da trama, com o possível brilho de seus
coadjuvantes: quando vamos ao cinema ver um filme como Esposa
de Mentirinha, vamos para ver "um filme de Adam Sandler".
Esse estranho e particularíssimo sub-gênero da comédia
norte-americana traz, ainda, regras que garantem, de fato, uma
espécie de unidade - a ponto de isso ser abertamente debochado
por Judd Apatow e o próprio Sandler, sempre um dedicado
auto-parodista, no legado de falsos filmes de sua personagem em
Tá Rindo do Quê?. Pois com a exceção
do filme de Apatow, da desconstrução da persona
do ator por Paul Thomas Anderson em Embriagado de Amor,
e do menos auto-paródico Como se Fosse a Primeira Vez
- em que o fator "filme de Adam Sandler" é equilibrado
pela contrapartida "filme de Drew Barrymore" - os filmes
de Adam Sandler são todos razoavelmente parecidos. Todos
eles partem de premissas promissoras e têm piadas pontuais
inegavelmente potentes, mas são também marcados
por uma espécie de dívida social a ser sanada (uma
mentira, uma deficiência, uma doença, uma ausência,
uma fortuna injustificada, ou uma combinação de
mais de uma das características citadas), que desemboca
inevitavelmente na papa rançosa dos family movies
- algo que inclusive se torna alvo no filme de Apatow.
Toda
essa bagagem vem junto com o ingresso quando se vai ao cinema
para ver Esposa de Mentirinha. E embora todas as limitações
saltem aos olhos nos primeiros minutos de filme, é difícil
não torcer por Adam Sandler. Afinal, ele parece sempre
disposto a tudo: a esculhambação que ressalta o
quão estapafúrdia é uma premissa que poderia
ser assumida sem grande culpa no gênero no qual o filme
se insere (no caso, uma comédia romântica); a determinação
em colocar em cena crianças que são manipuladoras,
agressivas e interesseiras (sem, cúmulo da perversão,
jamais perderem a doçura); a crítica direta e nada
isenta a certos padrões de vida contemporâneos (todo
um culto ao corpo que é tratado de forma muito ambígua,
e nada ingênua, pelo filme). Mas, mais do que isso, na primeira
metade de Esposa de Mentirinha, o espectador de fato
parece ter onde se segurar, fazendo com que a torcida por Adam
Sandler não seja um disparate tão grande assim:
há uma gag antológica em slow motion,
atores quase sempre em bom momento, e personagens que guardam
algumas boas surpresas nos bolsos.
Mas acompanhar a trajetória de Adam Sandler traz também alguns aprendizados, e o mais importante deles é não se deixar empolgar demasiadamente com as primeiras migalhas, pois elas podem não ser mais que os marcadores de caminho que levam diretamente à boca do lobo. Quando Esposa de Mentirinha parte do estabelecimento da trama nos EUA e ruma para a liberdade controlada de um resort no Havaí, sua graça e leveza vai se transformando em desespero, seja para salvar piadas que já nascem condenadas ao fracasso, seja para, pior ainda, encaminhar o filme à moralidade dos family movies. É aí que Esposa de Mentirinha vai perdendo fôlego considerável a cada novo passo, sacrificando sua disposição pela necessidade de redimir as personagens em um romance sem muita justificativa. Não à toa, as possibilidades de humor nesta segunda parte parecem condensadas no desespero da gag em que a personagem interpretada por Dave Matthews pega um coco com as próprias nádegas em um palco de dança de casais.
Dentro
dessa caminhada, que parte da comédia esdrúxula
para o romance, é possível até buscar elementos
dignos de alguma defesa. É especialmente notável,
por exemplo, como a concorrente de Jennifer Aniston não
precisa ser transformada em uma megera (como em Antes Só
do que Mal Casado, filme dos Farrelly que sombreia toda a
projeção) para justificar as curvas românticas
das personagens. Tal exercício de defesa, porém,
em nada amenizaria a primariedade da encenação e
o completo embaraço do filme na convivência de suas
poucas modulações. Esposa de Mentirinha
parte de uma premissa instigante, tem momentos notáveis
de humor, limitações cinematográficas bem
claras, e aos poucos vai se diluindo de tal forma em seu mingau
redentor que a decepção se torna inevitável.
E não é exatamente isso que faz "um filme de
Adam Sandler"?
Março de 2011
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