in loco - cobertura dos festivais
Eu Não Faço a Menor Idéia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida, de Matheus Souza (Brasil, 2012)
por Raul Artuso
Moral
da evasão
Qual é o motor de Eu Não Faço a Menor
Idéia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida senão
o medo da passagem do tempo, da chegada da idade adulta? Esse
já era o extrato de Apenas o Fim, onde, por trás
de um namoro em seu último dia, se escondia um profundo
desejo de interromper o fluxo do tempo e criar um espaço-temporal
de convivência entre infância e adolescência
em que, na chegada à encruzilhada, não fosse necessário
escolher um caminho. As personagens falavam hiperativas de uma
série de referências, num eruditismo pop, como a
evitar uma violência anunciada contra elas. Se elas perambulavam
pelo campus da universidade, esse trajeto pouco importava; o importante
era não chegar em lugar nenhum.
Isso é decisivo em Eu Não Faço a Menor
Idéia..., pois essa é uma história de
autoconhecimento: a protagonista quer descobrir sua vocação
após o mal-fadado ingresso na faculdade de medicina. Há,
portanto, em seu enredo, uma vontade de superação,
de ultrapassagem. Parada em frente à encruzilhada, o desejo
é seguir para algum lugar (desconhecido, a princípio).
Logo algumas coisas se revelam. A primeira é uma questão
de método: a protagonista procurará sua vocação
por tentativa e erro - esquadrinha as profissões e sua
essência para pôr em prática e ver onde dá.
Assim, um médico ajuda os outros, um advogado mente, um
geógrafo visita pontos turísticos (!). Matheus Souza
articula a coisa como uma gincana da face mais clichê do
mundo, partindo de um registro insípido (uma lista) para
chegar no mais infértil (uma catalogação).
O processo está viciado, pois é um anti-processo:
não há movimento, mudança, transformação.
A gincana está fadada ao inanismo. Não surpreende
que, então, a protagonista só aplique seu método
à família - no fundo, a gincana da busca da profissão
perfeita traz a jovem paralisada (literalmente: a protagonista
é incapaz de frequentar as aulas da faculdade) de volta
ao seio da infância e à proteção da
instituição familiar - aquela que não é
necessário escolher, já que foi dada.
A
segunda e mais importante evidência de distorção
se dá na articulação das cenas. Apenas
o Fim não era um primor de construções
de cenas: as falas tomavam o espaço da profundidade dos
personagens, da articulação de planos e noções
básicas do artesanato audiovisual. Aqui, as personagens
falam menos e há uma noção muito presente
de "cena de cinema". As fraquezas são, assim,
muito evidentes, na medida que sua construção segue
rigorosamente uma economia de planos traçada na repetição
e emulação de si mesma. Por exemplo, cenas de café
da manhã com membros da família são sempre
filmadas com os mesmos enquadramentos, a mesma montagem, a mesma
cenografia; cenas de conversa com o melhor amigo são sempre
o mesmo plano, com o mesmo movimento de câmera, a mesma
locação; cenas de jantar com o pai e a mãe,
a mesma coisa, mesma coisa, mesma coisa... Essa limitação,
porém, não se trata apenas de má realização:
é uma questão moral. O filme propõe uma ultrapassagem
para negá-la. Sua mise en scène é
um processo de redução em busca da repetição
do primeiro plano, uma volta ao útero pela teimosia em
não libertar o plano e a cena, por negar a necessidade
de uma atitude criativa e ousada perante a vida, pontuando o desejo
(esquisito, medroso, infrutífero, fique à vontade)
de evitar o confronto com o tempo - biológico, social,
histórico, cinematográfico.
Eu
Não Faço a Menor Idéia... leva a um
cadafalso, pois arma uma idéia de trajeto e movimento para,
ao fim, amputá-lo. Nega a busca ao renegar o "não
ter a menor idéia do que está se está fazendo
com a vida" a uma lamentação dos mais velhos,
limando a chance de um perder-se para achar-se, recusando ao processo
da autodescoberta um espírito de aventura em favor de um
método técnico. Após o primeiro galope na
encruzilhada, Eu Não Faço a Menor Idéia...
reafirma a moral da evasão, uma vontade desesperada de
refúgio - na infância, na adolescência, na
família, no plano primeiro.
Novembro de 2012
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