in loco - cobertura dos festivais
Fantasia Lusitana, de João Canijo (Portugal, 2010)
por Filipe Furtado

As margens das metrópoles

A ideia do fora de tempo português, de que se trata de uma nação em constante descompasso com a história, é fértil dentro da cinematografia do país. O próprio João Canijo – em filmes como sua atualização de Electra, Mal Nascida – está o tempo todo a jogar com ela. Em Fantasia Lusitana, porém esta ideia deixa de ser contexto para ser toda a razão de ser do filme. Trata-se de um documentário que vai até as imagens de arquivo – no caso as imagens oficiais promovidas pelo governo de Salazar durante a segunda guerra –, mas cujo interesse constante é naquilo que está fora da imagem, seja o conflito que acontece no restante da imagem, ou, de forma ainda mais direta, a recepção que estas imagens tinham dentro do cinema pelo público português.

Fantasia Lusitana, como o título deixa claro, é um filme sobre uma grande ficção encenada como epopéia nacional a partir de uma contradição óbvia para qualquer observador, mas não para as imagens que Canijo localiza: Portugal é o país neutro no meio do conflito europeu, a despeito de ele próprio ser comandado por um governo de inclinações fascistas. Essa neutralidade evidentemente só é possível dada a posição geográfica e a desimportância geral do pais para a Segunda Guerra. A fantasia que Canijo diagnostica é uma psicose geral, um surto que permite se vender e consumir como ideia de neutralidade.

A organização das imagens por Canijo e seu uso em off de relatos de estrangeiros (como Saint-Exupéry) que estiveram em Portugal à época conduzem o filme a outro diagnóstico de fracasso. À contradição principal se junta outra de perfil histórico, a correr paralelamente: os primeiros colonizadores, diante da sua própria posição periférica exposta pelo conflito entre simpatia ideológica e a subserviência aos interesses da Metrópole (no caso a Inglaterra). A fantasia da neutralidade é uma forma de máscara, uma derrota antes da ação; o salazarismo, destinado a emergir do lado vitorioso qual ele seja, mas nem por isso menos marginalizado. Trata-se de apenas outra manifestação do atraso português que, como tantas outras, fascina o cineasta.

Fantasia Lusitana
não tem a precisão de olhar de, por exemplo, O Olho de Vichy, de Chabrol. Até porque o diagnostico que encontra nas suas imagens de arquivo já chega ao filme pronto e destacado demais para que o olhar de Canijo revele uma grande força para além de reiterar sua fascínio com este descompasso histórico.

Setembro de 2012

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