ensaios - balanços dos festivais
Vida e morte de um olhar
por Fábio Andrade

Depois de toda temporada de mostras de cinema, é tão sedutor quanto problemático o inevitável impulso de fazer, a partir dos filmes vistos, uma espécie de balanço. Sedutor, pois o contato intensivo com fatia considerável da produção cinematográfica de maior expressão no circuito de festivais mundial leva, pelo conjunto, à organização desses filmes como um grupo, buscando relações e dissonâncias entre eles que digam – ou nos levem a dizer – algo sobre o cinema contemporâneo. Mas problemático por toda fatia ser, apenas, uma fatia; no caso dos festivais, um recorte do espectador de uma programação vasta recortada pela curadoria, a partir de uma produção total de filmes já recortada por curadorias de festivais internacionais anteriores e influências outras.

Balanços gerais como esse partem, portanto, de um raciocínio que já nasce manco, incompleto. Ainda assim, um dos mais vitais desafios para toda crítica é buscar, em seu tempo, caminhos que a arte aponta no horizonte, tentando identificar propostas e projetos mais particulares dentro de uma produção que, como em qualquer época, é majoritariamente fumaça. Textos panorâmicos se fazem necessários, diria até imprescindíveis, justamente pelo combustível cinematográfico que a entrega aos festivais produz. Essa introdução serve, porém, para relembrar algo que norteia sempre a atividade crítica e sua relação com os leitores: esse texto responde a um olhar assinado, nascido da organização de um grupo de filmes por critérios intransferíveis e limitados, sem intenção alguma de estabelecer um raciocínio totalitário e onipresente de um momento. O agrupamento desses filmes à luz de determinadas questões é tido, aqui, somente como resposta a um estímulo crítico vindo dos próprios filmes. Almejar além disso seria imprudente, portanto, assumamos apenas as responsabilidades que podemos carregar.

Olhares em crise

Um dos assuntos mais presentes na redação durante esses dias foi o cansaço diante da cristalização de uma certa gestalt de “filmes de festival”. Filmes que, mesmo quando encontravam defensores dentro da revista (caso mais exemplar de Liverpool, de Lisandro Alonso - foto), partiam do apego a uma aparência muito definida pelas expectativas do público que consome essas obras, fazendo com que o celeiro de novidades que se propõe ser o circuito de filmes “de arte” se amorne em uma zona de pastoso conforto. Ao mesmo tempo em que alguns dos realizadores mais originais respondem a esse esquema visual (entre os com filme presente no Festival do Rio, Hong Sang-soo e Roy Andersonn, por exemplo), deixando claro que a proximidade estilística não é definidora exclusiva do interesse ou do fastio, a sombra causada pelo cinema de nomes como Hou Hsiao-hsien, Tsai Ming-liang, Jia Zhang-ke, Bela Tarr e Apichatpong Weerasethakul é tão grande que engole artistas inseguros em mimetização, reduzindo o que é estilo ao puro cacoete.

Pois se há muito mais a se extrair dos citados do que a predileção por planos médios, a troca da decupagem clássica pela duração, o esvaziamento das atuações e os movimentos panorâmicos, é justamente nessa imitação visual que alguns jovens realizadores se escoram, buscando uma penetração mais suave em um nicho do mercado que também vive dieta de pausterizados. No caso de Alonso, Eric Khoo (Minha Mágica) ou, em resultado bastante abrandado por bons acertos, Lee Chang-dong (Sol Secreto), por exemplo, essa acomodação enfraquece os filmes, mesmo que ainda imponha uma silhueta de projeto cinematográfico que, nos altos e baixos, mantém uma coerência artística. Mais frustrante, porém, é ver nomes frescos como Kornél Mundruczó (Delta), Singing Chen (Entre Cães e Deuses/Deus Homem Cachorro) e Aditya Assarat (Wonderful Town) estreando no circuito de festivais – muitas vezes, com prêmios importantes no currículo – com filmes que negligenciam sua própria juventude.

O apego exclusivamente visual é, também, uma forma de cegueira, já que o retorno a Lumiére proposto por diversos dos mais interessantes realizadores contemporâneos (algo que ganhou o nome pobre de “cinema contemplativo” ou, agregando características mais específicas, “estética de fluxo”) não é somente uma questão visual, mas sim uma posição ideológica expressa no tratamento político da cena. O peso simbolista de tons conservadores de Mundruczó, por exemplo, afoga um filme que busca um diálogo com pares não deterministas, em uma construção cênica tão precisa quanto nefasta. Assim como os trabalhos de Singing Chen e Aditya Assarat, Delta (foto acima) parte de um descolamento brutal entre forma e conteúdo (sim, aquela velha discussão), sem perceber que são metades mutuamente determinantes, e que a causalidade dramatúrgica estrita contraria a fluidez da construção visual. Forçam-se valores que não lhe dizem respeito, desmontando, em seu discurso, uma lógica que a encenação tenta construir. O radicalismo da revisão histórica proposta pelo retorno a Lumiére se mostra, nesses cineastas, preso a lógicas conservadas em décadas de artifício cinematográfico. A estética dos festivais é apenas mais um deles.

No campo dos artífices orgulhosos, os problemas são outros: se filmes como Gomorra, de Matteo Garrone; Il Divo, de Paolo Sorrentino; RockNRolla, de Guy Ritchie; e, em outra chave, Ano Unha, de Jonás Cuarón, passam longe de um interesse íntegro e constante, é notável o incômodo que os norteia na busca por uma imagem que lhes seja particular. Há, nesses filmes, uma inquietação diante do artifício cinematográfico que, entre vários equívocos, acaba brilhando como sintoma. Como experiência, interessam muito pouco; mas como objetos de estudo dentro de um panorama tão amplo, as inquietações equivocadas acabam mais expressivas do que o repouso preguiçoso de Mundruczó, Chen ou Assarat. Existe em Il Divo, por exemplo, uma aceleração kamikaze que mira se explodir em um jogo de excessos que é, em todo o seu desastre, arriscada e até um tanto corajosa. Em Delta, por outro lado, temos uma torre de marfim a ostentar um olhar natimorto, movido pela tarefa de organizar os restos de um mundo que ele não percebe acabar ao seu redor.

Não por acaso, são justamente os filmes que mais problematizam o olhar no cinema contemporâneo que ficam marcados como os mais instigantes da temporada. Se o coro de espectadores e críticos dizia que 2008 esteve fraco em novidades, é mais por a grande maioria dos realizadores ainda estar digerindo a falência de um certo olhar. São filmes que, antes de apontar para vida futura, precisam enterrar seus velhos cadáveres. Aos poucos, a impressão um tanto intuitiva de que um cinema estava a morrer (como estão vários, a todo o tempo) desenhou nesse grupo de imagens a ambição de representar a trajetória dessa grande câmera-olho, de seu nascimento à sua morte.

O nascimento de um olhar

Em Velha Juventude, Dominic (Tim Roth) é um lingüista romano que, aos 70 anos de idade, percebe não ter tempo de vida suficiente para terminar sua obra. Por medo da frustração, decide interrompê-la, ele mesmo. Suicídio. Na caminhada para a morte, ele é atingido por um raio que, misteriosamente, dispara um processo de rejuvenescimento em seu corpo. É essa a estória que motivou Francis Ford Coppola a voltar a filmar depois de longuíssimas férias. É evidência importante por Velha Juventude trazer, com os dentes que renascem no sorriso de Dominic, um discurso sobre Coppola, artista da imagem: uma vez consciente da insuficiência da vida em comportar todas suas ambições artísticas, resta voltar ao primeiríssimo princípio.

Ao reencontrar a imagem ideal de sua juventude – Veronica/Laura (Alexandra Maria Lara) – é ela que, em movimento contrário, envelhece aceleradamente. É essa relação que vemos entre Coppola e seu próprio cinema: se em um primeiro momento Velha Juventude é de imagens construídas sobre um complexo arcabouço teórico (Gilles Deleuze, sobretudo), aos poucos o diretor busca – como faz seu protagonista com as línguas, em paralelo bastante claro – a imagem-mãe de todo cinema. Para Coppola, é preciso retomar seu estado de construção primeiro: imagens apresentadas de cabeça para baixo, resgatando o aspecto original de sua formação não-corrigida, quando os raios de luz se cruzam em um orifício e invadem uma câmara obscura (ou o cérebro), marcando a superfície sensível do outro lado. Essa busca por uma pureza primeira é extraordinária, pois leva o cinema para antes mesmo de sua existência: estamos a lidar com imagens do mundo que, ao passar pelo aparato de registro, transfiguram esse mundo em uma cópia que poderia ser lida como fiel, não fosse óbvia e rigorosamente invertida. Isso faz lembrar da famosa máxima de Rudolph Arnheim, de que o cinema não seria uma janela, mas sim um prisma que deforma e reestrutura o mundo que passa pela lente.

Em Na Cidade de Sylvia, de José Luis Guerín, um rapaz (Xavier Lafitte) observa o movimento das musas em um café. Em um caderno, desenha instantes privilegiados escolhidos entre os fugidios quaisquer. Recria o trinômio da prática de Arnheim: o artista observa, apreende, e então recria. A câmera de Guerín busca a essência da observação: investiga aqueles corpos em movimento como fazia a de Lumiére com os trens, as pessoas, as folhas das árvores. Vemos uma mecha de cabelo que voa, um rosto que dança frente a outro, uma bandeja com copos coloridos que passa, para lá e para cá. Os desenhos são sempre abortados, abandonados na frustração de congelar um mundo fascinante por sua pulsão, seu movimento. O cinema responde aos olhos daquele artista – algo que um lápis sobre o papel parece nunca ser capaz de captar (como confirmam as valiosíssimas considerações de Jacques Aumont sobre Lumiére, no essencial O Olho Interminável). Até que ele percebe um rosto familiar: uma garota que sai do café e mergulha, em passos firmes, na multidão.

Na busca pelo instante privilegiado, perde-se uma vida inteira. O artista é tirado de sua imobilidade, pois ela não capta a característica maior da presença no mundo: o movimento. O rapaz se levanta e passa a seguir a moça pelas ruas. Em sua hora restante, Na Cidade de Sylvia troca as cadeiras de Arnheim pelas longas caminhadas, pelo registro do tempo de cada passo e a imersão completa na teia visual e sonora do mundo em movimento que fascinava André Bazin. Na Cidade de Sylvia termina com uma imagem poderosíssima: o rosto da mulher projetado em fusão sobre o trem-cinema que corre firme em seus trilhos. Uma imagem fixa em movimento. O cinema, em suma.

Um olhar enfermo

A mulher atropela um cachorro, e seu olhar desvia para o céu, como se Falconetti (de A Paixão de Joana D’Arc, de Carl Dreyer) perdesse os olhos em momento de hiperiluminação. Vemos o cachorro, mas aos poucos aprendemos a compartilhar sua dúvida: não seria um menino? O homem presencia um estupro, que se perde na memória em chiaroscuro. O testemunho da violência se transforma em amor. Sua visão é desacreditada pelas autoridades locais, que tomam os olhos do espectador. Vemos o estuprador, mas não fixamos seus traços. Seria, de fato, um rosto? A memória é terreno fantasmático, de faces que surgem em fade nos espelhos. O fotógrafo se apaixona, e depois se apaixona novamente. A morte do primeiro amor – tão real quanto figurativa – faz dele um assassino. É preciso que se entregue a ela, ele também.

Lucrecia Martel parte do naturalismo de crua sexualidade que movia O Pântano e A Menina Santa, e adentra territórios fantásticos com A Mulher Sem Cabeça. Um atropelamento é o gatilho que naufraga o olhar: assim como Verónica (María Onetto), o espectador perde os olhos nas composições múltiplas de um mesmo enquadramento, repartindo o cinemascope em diversos quadros possíveis que se sobrepõem na tela larga. À organização rígida contrapõe-se a fluidez dos níveis do mundo diegético: as pessoas aparecem como fantasmas, ou os fantasmas são opacos como as pessoas? Retornamos a Arnheim, e seu interesse gestaltista pelo esquema figura/fundo: seria um rosto sempre o primeiro plano de toda imagem? Como olhar para uma imagem quando a figura dominante é usada, na verdade, como contraponto para um fundo onde o mundo se perde em desfoque? Como fazer, dessas imagens rarefeitas, algo concreto, sólido? Como construir uma personagem se o mundo que a cerca está sempre em um plano descolado de seu rosto?

Em Quatro Noites com Anna, Jerzy Skolimowski parte de manipulação semelhante, mas onde Martel escondia o invisível em poças de luz e cor, Skolimowski entregará claridade e escuridão. Para toda noite há uma lanterna, um facho de iluminação a recortar o monocromo, como a cachoeira corta o verde no quadro do quarto de Anna (Kinga Preis). Um mundo onde a escuridão engole nacos de vida que teimam retomar a superfície pelos sons que produzem: um cigarro queima como um incêndio; uma colher raspa um pote como um doloroso procedimento cirúrgico. Enquanto Martel apresenta a evidência para depois, aristotelicamente, desmontá-la pela retórica do plano, o processo de Skolimowski é inverso. Há sempre alguém a ser convencido de algo que as imagens não dão conta. Como filmar o amor quando ele não responde às convenções? Como aceitar a entrega que nasce do testemunho de um estupro?

É sobre amores assassinos que fala, também, A Fronteira da Alvorada, de Philippe Garrel. O mundo é despido de alguns códigos, confinados ao extracampo ou às cores ausentes no preto e branco de Garrel e William Lubtchansky. Aos poucos, a crueza de tons de um Cartier-Bresson começa a abrir cinzas onde mora o fantástico. De Carole (Laura Smet), a seu espírito no espelho. De Lumiére, a Meliés. Como dar conta da dor incorporada por quem não mais vive no plano físico? Como filmar os habitantes do espelho? Assim como Martel e Skolimowski, Philippe Garrel sai do realismo épico de Amantes Constantes (já abandonado em O Sono dos Justos – parte final do filme que determina toda a cadência de A Fronteira da Alvorada) para tentar captar um mundo presente e influente, embora nem sempre visível. É preciso dar corpo às imagens que não se apresentam concretamente, pois elas são tão determinantes para o mundo quanto o seu plano físico. Ao tentar encerrar a amada nas molduras de uma fotografia, François (Louis Garrel) acaba tirando sua vida, sua essência. Como em O Retrato Oval, de Edgar Allan Poe, a imagem aniquila o sujeito quando o realismo obsessivo se torna redutor. De Carole, François ganha uma imagem: sobreposta sobre a sua, atormentando seu rosto dentro dos limites de um espelho – um quadro dentro do quadro que, ao mesmo tempo, encerra o mundo e revela suas próprias bordas.    

Dançando com a morte

À percepção da enfermidade do olhar, um conjunto heterogêneo de cineastas responde assumindo essa malaise estética como conceito, em filmes que se expõem como reflexões abertas sobre suas realizações. É o caso mais extremo do desvio de carreira recente de Takeshi Kitano, que em Aquiles e a Tartaruga aprofunda um processo de desconstrução já presente em seus dois filmes anteriores. O retorno de Kitano, porém, é de natureza diversa a das imagens invertidas de Coppola: enquanto o realizador norte-americano busca, nesse primeiro estado da imagem, uma fonte de expressão fisicamente construtiva, Kitano a toma como fim de um processo afetivo que já derrubara todo o resto à sua volta. Visto ao lado de Glória ao Cineasta!, Aquiles e a Tartaruga retoma a infância cinematográfica como último refúgio para um artista já descrente de todas as convenções e simulacros. Se é legítimo dizer que, com isso, ele encontraria apenas outras convenções e simulacros, elas surgem como primeiras memórias dessas que, por serem primeiras, trazem um encanto maior nessa mediação. Há em Aquiles e a Tartaruga um desejo pujante de retomar a primeira emoção, o primeiro traço de encantamento diante da criação artística que, no caso de Kitano, diz respeito à descoberta do amor. Não necessariamente fazer isso, mas falar sobre isso. Não a destruição da convenção, pura e simples, mas sim a restituição de um encanto perdido no excesso de racionalização e controle de uma trajetória artística tão auto-consciente que passa a, em dado momento, negar a si mesmo.

É sentimento semelhante que faz de Vocês, Os Vivos um filme tão adorável. Basicamente por Roy Andersonn usar o tal esvaziamento da aparência de “filme de festival” de forma amorosamente satírica. Estão lá as construções em tableaux, os personagens semimortos, as composições arduamente simétricas e os corações doentes que estabeleceram a cartilha, mas esses elementos reaparecem ironizados, reinterpretados por um realizador que compreende a força dessa estrutura, e lamenta sua ruína artística. O que Andersonn faz é levar esse processo ao paroxismo, expondo seu definhamento tão abertamente que consegue, ao fim, retomar sua força original.

Esse processo de exposição de realização é o centro, também, dos novos filmes de dois diretores de uma mesma linhagem: Les Amours d’Astrée et de Céladon, de Eric Rohmer, e Noite e Dia, de Hong Sang-soo. São, ambos, filmes que escancaram a estrutura macro da obra em que se inserem, e extraem maior força dessa exposição metalingüística. No caso de Rohmer, esse processo se dá pela filmagem de uma representação como tal, ressaltando a toda oportunidade o anacronismo de seu próprio olhar. E em Hong Sang-soo, por Noite e Dia abrir uma estrutura de compreensão que abarca toda a sua obra, versando sobre a criação de seu próprio universo, e a dosagem milimétrica de onde injetar vida. Embora essas características já estivessem largamente presentes nos cinemas de ambos os diretores, o escancaramento em filmes lançados em um mesmo momento só fazem ressaltar Rohmer e Hong Sang-soo como saudáveis autistas, respondendo ao mundo exterior por reforçar, cada vez mais, a singularidade de seus olhares particulares.         

Um olhar é um outro

Da descrença em um certo cinema, há de nascer um outro cinema. Ele está lá no making of que espelha a ficção em Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes; na emulação de novas caras para velhas imagens em Guerra Sem Cortes, de Brian de Palma (foto); nos ouvidos que despertam as vistas cansadas em Sonata de Tóquio, de Kyioshi Kurosawa; e no filme de Song Fang que se mistura ao de Hou Hsiao-hsien, em A Viagem do Balão Vermelho. São filmes que abraçam estruturas passadas com olhos firmes no futuro, inflando boas velharias com a novidade dos olhos pluralistas de nossa época. No caso de Miguel Gomes, a filiação a João César Monteiro, assumida no off que abre o filme; em Guerra Sem Cortes, a auto-referência óbvia a Pecados de Guerra, retomada com a autocrítica de quem percebe que novos tempos pedem novas imagens; em Sonata de Tóquio, o drama familiar de Yasujiro Ozu, repintado com tintas secas de horror; e em A Viagem do Balão Vermelho, o passeio livre de Hou Hsiao-hsien pelas terras de Albert Lamorisse, partindo do passado para apontar um cinema futuro – do qual a jovem chinesa aparece como ícone vivo. 

Um cinema que nasce de um desejo misto de ficcionar o documental (ou documentar a ficção), ímpeto criativo que gerou algumas ilhas de brilhantismo em décadas passadas, e vem se mostrando um caminho cada vez mais acolhedor ao cinema contemporâneo. Algo que, de fato, Hou Hsiao-hsien já indica como caminho há alguns anos (e que Jia Zhang-ke segue carregando consigo, vide Inútil), mas que começa a abrir braços de forma mais plural, gerando novas formas de vida que se libertam das amarras paternais, florescendo em terrenos antes tidos como acabados, ou inférteis. Cineastas que, antes de lamentarem a ruína de certas bases (falando de Hou, Kurosawa e De Palma, bases estabelecidas por eles próprios), já seguem caminho construindo outras, onde possam abrir os olhos novamente pela primeira vez.

Novembro de 2008

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