Godard,
Truffaut e a Nouvelle Vague (Deux de la Vague),
de Emmanuel Laurent (França, 2009)
por Juliano Gomes
Uma
certa tendência no cinema documentário
Para comemorar o aniversário de 50 anos da Nouvelle
Vague, Emmanuel Laurent decide enfocar o movimento cinematográfico
pela relação entre seus dois participantes mais famosos, Jean-Luc
Godard e François Truffaut. Laurent estrutura o filme a partir
da narração de Antoine de Bacque (que já tem vários livros publicados
sobre o assunto), que funciona como espinha dorsal para o farto
material de arquivo que o filme apresenta. A decisão pelo trajeto
da biografia cronológica (do festival de Cannes de 1959, que consagrou
Truffaut e deflagrou o movimento, até a carta de Godard “contra”
A Noite Americana de Truffaut, em 1973), só serve à impressão
de resumir a vida à dos personagens, traçando a linha que vai
da origem ao fim, teleologicamente. Laurent decide não se
aprofundar no que foi a Nouvelle Vague e nem mesmo no que foi,
naquele momento, o trabalho de nenhum dos dois cineastas.
Esta estruturação acaba tornando o interessante
material de arquivo mera ilustração de uma tese bastante limitada.
A presença dos filmes e entrevistas da época algumas vezes até
consegue nos colocar em um contato mais direto e mais vibrante
com as cores e a iconografia daquele momento; entretanto, o foco
aqui beira, muitas vezes, a fofoca histórica. O esforço é de construir
um enredo determinista tipo: “Truffaut, pobre, fazia filmes clássicos;
Godard, rico e intelectual, foi fazer filmes radicais de esquerda”.
E o uso das entrevistas (algumas bem interessantes) se restringe
a corroborar a idéia desse amor fraterno que se desfaz. A estratégia
de criar uma personagem que simboliza esta leitura dos materiais
diversos, que se coloca como uma espécie de alter-ego do diretor,
emulando um procedimento dos filmes de Godard a partir das História(s)
do Cinema, acaba somente atestando que Laurent parte de uma
concepção de história radicalmente diferente de, pelo menos, um
dos seus biografados. Aqui, a história é uma coleção de curiosidades,
que tem como função revelar os segredos de seus atores, mas com
um fim em si mesma: para satisfazer o apetite personalista e aumentar
o culto a estes artistas, em detrimento da força de suas obras.
O
diretor explora justamente a face onde a política dos autores
joga contra o cinema, pois submete a obra ao determinismo das
biografias e das personalidades. A aposta é na possibilidade de
que a colaboração entre os dois e sua ruptura sejam uma espécie
de alegoria do movimento e também do trajeto do cinema e da cultura
nos anos 1960 na França. Entretanto, o resultado parece não ser
nem um nem outro; nem de uma interessante história “familiar”
nem uma análise crítica de um dos momentos mais importantes do
cinema. Para falar de quem consagrou a idéia de “cinema de autor”,
Laurent decide pelo culto superficial e personalista e acaba caindo
numa nulidade absoluta, num filme que se furta da força evidente
de seu tema, que torna a energia desse legado fogo morto. É melhor
ver os filmes e ler os livros.
Junho de 2010
editoria@revistacinetica.com.br
|