in loco - cobertura dos festivais
A Batalha de Haditha (Battle of
Haditha), de Nick Broomfield (EUA, 2008)
por Julio Bezerra Ficção
sob ameaça
A Batalha de Haditha começa
com soldados americanos sendo entrevistados. “O que você quer saber”, questiona
um deles. É uma pergunta retórica, como perceberemos ao longo do filme. Dirigido
por Nick Broomfield, cineasta britânico que fez seu nome em documentários pessoais
(e um tanto sensacionalistas) como Biggie e Tupac (2002), Aileen: Vida
e Morte de um Serial Killer (2003), e Kurt and Courtney (1998), A
Batalha de Haditha reencena um dos momentos mais polêmicos da ocupação norte-americana
no Iraque. Após o comboio em que estavam ser alvejado por uma bomba caseira plantada
por integrantes da resistência iraquiana, um batalhão de marines enfurecidos fez
uma chacina na cidade que dá nome ao longa – um vilarejo que chegou a ser famoso
no pais como destino para casais em Lua de Mel e durante a guerra passou a atender
pelo apelido de “cidade da morte”. Broomfield privilegia
um mosaico. O olhar do cineasta se desmembra em diferentes pontos de vista. A
história nos é narrada em cortes paralelos entre soldados, revoltosos iraquianos
e os habitantes de Haditha, construindo suspense e simpatia por todos os envolvidos
enquanto a tragédia se anuncia inevitável. A idéia não
é se concentrar nos indivíduos, mas entender os modos como suas ações alimentam
todo um (doença) sistema. Nos Estados Unidos, A Batalha de Haditha
foi muito comparado a Guerra sem Cortes, de Brian De Palma. Ambos os filmes
têm como nervo central horríveis atos de violência cometidos por soldados americanos
(os dois baseados em fatos reais), acobertados pelas autoridades militares. Mas
enquanto De Palma faz deste nervo uma maneira para aferir a representação da guerra
entre os vários meios de comunicação, Broomfield parece apostar no poder de sedução
da imagem (em especial pelo trabalho de câmera e pela montagem estrategicamente
calculada para o máximo de impacto) e jamais alcança a vitalidade e o sentido
de urgência do primeiro. Broomfield
quer preencher as lacunas na imagem que deveriam ter sido fornecidas pela mídia,
mas será que seu filme escapa totalmente à superficialidade da grande maioria
das produções midiáticas sobre a guerra? A Batalha de Haditha opera em
uma chave realista, tendo o documental como paradigma, mas esse artifício vendido
como real nem sempre atinge sua meta. Em determinado momento, a câmera cai para
debaixo da cama e flagra o olhar temeroso de um menino por detrás das enormes
e negras botas dos marines. Noutro, em uma cena supostamente catártica, um sereno
rebanho de ovelhas invade o quadro. A representação está ali ameaçando a ficção,
ao invés de construí-la. Para um filme que se afirma “verdadeiro” o tempo inteiro,
esses flagrantes tornam-se obstáculos. Em seu crédito, A Batalha de Haditha
equilibra múltiplas perspectivas e nos demonstra de maneira eficiente como são
perturbadas as motivações dos indivíduos presos a uma guerra. Broomfield humaniza
todos os personagens, é verdade, mas, ainda assim, não deixa de idealizá-los.
Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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