in loco - cobertura dos festivais
Hamaca Paraguaya (idem), de Paz Encina
(Paraguai/França/Argentina/Holanda, 2006)
por Leonardo Mecchi
A vitória da persistência
Se há algo incontestável em Hamaca Paraguaya
é a radicalidade de sua proposta. Se tomarmos “radical” no sentido
de uma obra que deixa claro desde os primeiros minutos de projeção
os princípios em torno dos quais irá se construir, e que se mantém
fiel a eles ao longo de toda a projeção, trata-se, talvez, da
obra mais radical de toda a Mostra, exigindo do espectador uma
entrega e esforço raros, ainda mais em meio a uma maratona de
filmes como a da Mostra.
Primeiro longa-metragem paraguaio desde 1978,
Hamaca Paraguaya estampa em sua própria estética rígida
e seu enredo minimalista um retrato dolorosamente incisivo da
paralisia de um país e da inércia de seu povo. Composto inteiramente
de longos planos de câmera fixa, o filme distende ao máximo o
tempo da ação, atingindo um efeito próximo à sua própria suspensão.
Trata-se, na realidade, de uma não-ação, uma inação que se passa
em um tempo e local praticamente indefinidos (a menção a uma guerra
contra a Bolívia é a única informação que possibilita localizar
a narrativa na década de 30). À espera do retorno do filho que
foi para a guerra, acompanhamos a rotina de um casal de camponeses,
ele envolvido na colheita da cana, ela nos afazeres domésticos.
Pouco acontece naquele lugar, e tudo que resta àqueles personagens
é discutir entre si e reclamar – do calor, do cachorro (ora porque
late demais, ora por estar em silêncio), da rede que está prestes
a arrebentar.
Com
as tomadas sempre fixas e o enquadramento impossibilitando a leitura
das expressões daqueles personagens (seja pela preferência pelo
plano geral ou, nos planos mais fechados, pela ausência de enquadramentos
frontais), o som – sempre diegético, na maioria das vezes extra-campo
– tem um papel fundamental. É através dele que tomamos consciência
de toda uma natureza (cão, galo, grilos, vento) que cerca aqueles
personagens, que acompanhamos a pouca ação que existe (sempre
na forma de diálogos), que sentimos ao longo de toda a projeção
a tempestade iminente, presença reforçada pelos raros planos que
se afastam dos personagens para exibir as nuvens carregadas –
uma presença quase abstrata, simultaneamente aterradora e ansiosamente
aguardada. Os diálogos, em especial, são responsáveis por uma
sensação de estranhamento ainda maior no espectador – não por
seu conteúdo, mas pela forma com que se dão. Falados em guarani,
sempre defasados da imagem (mais do que defasados, como que se
pertencentes a um outro tempo), por vezes descrevendo flashbacks
em voice over (reminiscências da despedida do filho), os
diálogos contribuem para a sensação de deslocamento dos personagens
e atemporalidade daquelas imagens.
Ao final, de volta à cena inicial mas já ao anoitecer,
nada mudou – e não podia ser diferente. A diretora, porém, acena
com uma possibilidade: após o escurecer da tela, a tão aguardada
chuva finalmente cai. Uma esperança projetada para o pós-filme,
para o futuro daqueles personagens e do povo paraguaio neles representado.
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