Hanami: Cerejeiras em flor (Kirschblüten: Hanami),
de Doris Dörrie (Alemanha, 2008)

por Fabio Diaz Camarneiro

Um filme entre dois mundos

Um casal, que leva uma vida pacata no interior, resolve visitar os filhos na capital - mas estes logo demonstram não ter tempo para os velhos. A situação inicial de Hanami lembra os filmes de Yasujiro Ozu, e, assim como nos filmes do japonês, existe certa resignação dos pais ao constatar que não existe mais espaço para eles na vida dos filhos. Se, de fato, o filme de Dóris Dörrie busca um diálogo direto com o Japão, também tem o cuidado de saber se libertar dessa inspiração - até porque a Alemanha contemporânera é algo bem diferente do Japão do pós-guerra dos filmes de Ozu. Não existe nenhuma tentativa de emular o estilo do cineasta japonês (nada de câmeras fixas, próximas ao solo; nada de atores olhando diretamente para a câmera durante os diálogos): ao invés disso, vemos uma câmera solta, muitas vezes na mão, numa narrativa que avança a partir do envolvimento do público com os personagens, mas que também sabe “tatear” os momentos de força emocional do roteiro sem buscar o choque, sem recorrer a exageros melodramáticos. Há delicadeza em Hanami.

Além da trama principal, que gira em torno de temas como a perda e o reencontro, alguns momentos demonstram interesse por outro assunto: o mistério que envolve o “outro”. Mesmo após passarem praticamente a vida inteira um ao lado do outro, pequenos detalhes mostram que o casal de protagonistas não se conhece completamente (como conhecer alguém – ou a si mesmo – completamente?). A relação entre marido e mulher é feita de silêncios em uma inexorável rotina, tudo temperado por pequenos segredos (como a revelação que dá início ao filme). Quando a esposa, numa narração em off, conta que o marido come sempre uma maçã por dia, as imagens a contradizem e mostram que, na verdade, apesar de sempre levar a maçã ao trabalho, o marido nunca a come (mas a oferece para um colega de escritório). Mais tarde, mexendo em objetos da esposa, o homem percebe que a paixão da mulher pelo butô (dança japonesa) e pelas coisas vindas do Japão é mais forte do que ele poderia imaginar. Com os filhos, o desentendimento é ainda maior. Cada um interpreta o que quer a respeito dos pais e do passado em família. Em sua primeira metade, Hanami não tem nenhuma “verdade” a ser revelada, apenas o confronto (muitas vezes sem solução) entre os membros de uma mesma família que precisam conviver mesmo com diferentes sensibilidades e diferentes percepções de mundo.

Mas Hanami caminha como um dístico, tendo de um lado a Alemanha e, do outro, o Japão. O filme se modifica quando a trama chega ao país do sol nascente. Vêm à memória outras imagens “estrangeiras” da capital japonesa, como em Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, ou no recente Tokyo!. Em ambos, a cidade é vista como lugar de estranhamento, o “outro” por excelência. Em Hanami, essa distância não se estabelece totalmente, e Tóquio se transforma no lugar do encantamento. O “outro” (que antes, para aludirmos ao filme de outro alemão, representava algo “tão longe, tão perto”) passa então a esbarrar no exótico. As imagens clichês do Japão (o teatro nô, o monte Fuji, as flores de cerejeira) começam a representar apenas isso: clichês. E não só na representação do encontro com a cidade (o “outro”), mas também no enredo: temos a possibilidade da “segunda chance”; o momento em que uma pessoa mais jovem ensina a uma outra, mais velha, como superar uma dor etc. Agridoce na Alemanha, Hanami se torna otimista e passa a acreditar na possibilidade de recuperar o passado (mesmo que de maneira simbólica), superar a incompreensão e promover a paz entre as pessoas (vivas ou mortas).

Existe uma cisão no filme, representada na oposição entre Alemanha e Japão. O personagem que melhor representa essa oposição é a esposa: uma mulher da Alemanha com o imaginário voltado para o Oriente. Uma vida que, na prática, é uma e que, no espírito, parece ser outra, completamente diferente. Uma distinção entre as expectativas sobre o futuro e a realização desse mesmo futuro. Quando essa personagem deixa a trama, o filme se torna um pouco mais convencional. De fato, o grande problema de Hanami é esse: seu grande personagem, o mais repleto de complexidade, é a mulher, não o homem. Quando avançamos com ele rumo a uma Tóquio um tanto turística, o filme começa a avançar de maneira mais convencional para a catarse final. Não sem abandonar a elegância demonstrada em sua primeira metade, mas com certeza deixando de lado parte de sua complexidade.

Janeiro de 2010

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