Um Amor Jovem (The Hottest State),
de Ethan Hawke (EUA, 2006) por Fábio
Andrade
Um olhar dividido em dois É possível
compreender muitas das intenções de Ethan Hawke em seu segundo longa-metragem
como diretor sem sequer abrir os olhos: basta prestar atenção à onipresente trilha
sonora de Jesse Harris para perceber os limites do universo onde Hawke pretende
inserir Um Amor Jovem. Ganhador do Grammy como compositor de alguns dos
maiores sucessos de Norah Jones (que – ao lado de artistas como Feist, Cat Power
e Willie Nelson – dá voz às canções inéditas que compõem a trilha do filme), Harris
se interessa por aquilo que, culturalmente, convencionou-se chamar de americana
(substantivo, não adjetivo): uma iconografia – musical, plástica, arquitetônica,
cinematográfica, literária – que amarra banjos a tortas de maçã, luzes de neon
a jarras de limonada, cartões de beisebol à Nighthawks, de Edward Hopper.
Harris, porém, não é tomado pela subversão formal de Bob Dylan ou Wilco: sua releitura
de gêneros tradicionais americanos é mais uma atualização de superfície estética,
uma nova camada de verniz sobre estruturas melódicas que carregam, em si, as marcas
dos anos. Da mesma forma, Ethan Hawke não percebe essa iconografia
como espaço a ser inflado pelo imaginário (como David Lynch, por exemplo), isolado
no passado (como Robert Altman, em A Última Noite) ou tampouco esvaziado
(como Vincent Gallo, em Brown Bunny). Para Hawke, a paisagem americana
é, de fato, uma paisagem; uma topografia de cores e formas a ser explorada em
sua plasticidade (e, nesse sentido, a aparição de Paris, Texas em um dos
vários letreiros de cinema que aparecem em Um Amor Jovem se torna bastante
contundente). Não existe intenção de reconfigurar essa iconografia, mas sim de
percebê-la como mais um dado transitório, como mais cores e mais formas. Os letreiros
de neon, os postos de gasolina, as garrafas de Coca Cola, as botas de couro, o
Barracuda azul, os ícones texanos carregados por William (Mark Webber) pelas ruas
de Nova York; todos eles se misturam aos tantos outros signos que povoam a metrópole
– inclusive aos de Sara (Catalina Sandino Moreno), a namorada latina que usa vestidos
rendados e é apaixonada por música country. É
justamente desse interesse que saem os melhores momentos de Um Amor Jovem.
Pois se o olhar que Hawke deita sobre essa paisagem não é transformador, é um
olhar extremamente afetuoso, com um gosto surpreendente pela plasticidade dos
elementos no quadro. É quando Hawke deixa a câmera – solta, na maior parte do
tempo – simplesmente estar dentro das ações que ele alcança resultados mais interessantes,
lembrando, em diversos momentos, a dinâmica entre corpo e câmera dos filmes de
Sofia Coppola. É quando ele encara os corpos como partes móveis dessa paisagem
que podemos vislumbrar a semente de um cineasta bastante interessante, ainda em
formação, sem dúvida, mas já consciente de o quê filmar e de como filma-lo. Mas
Hawke precisa contar uma estória (é um filme baseado no romance escrito pelo próprio
diretor, ora), e é aí que Um amor jovem patina em uma encenação um pouco
atrapalhada, em uma dificuldade de situar seu próprio registro e de lidar com
os elementos de dramaturgia que devem escorar a narrativa. Se a instintiva comparação
com Richard Linklater rapidamente se prova preconceito, na interação das falas
e no tom dos diálogos Hawke se distancia de Sofia Coppola, e por vezes toma os
atalhos publicitários que jogam os filmes de Cameron Crowe em um limbo entre o
realismo e o varejo, entre as filmagens familiares e os comerciais de plano de
saúde. E aí sua insegurança como realizador toma a tela, acuada pelas situações
que ele gostaria de criar: a música ininterrupta afasta a intimidade dos silêncios,
os diálogos se perdem em um recitar que se quer coloquial, os flashbacks
transbordam em relação causal um pouco excessiva, o tempo das situações é sacrificado
para que a trama ande, o drama do adolescente rejeitado mais parece um diário
que não deveria ter sido guardado. Pois se, em um dado momento, William diz a
Sara que suas repostas parecem saídas de um manual de relacionamento, é inevitável
sentir uma pontada de auto-ironia que não parece de todo intencional. Curioso
que um diretor de formação como ator mostre fragilidade justamente no momento
de dirigir seus atores; e que, autor do texto original que ele mesmo adapta, Hawke
acabe revelando não saber muito bem o que fazer com essas palavras. Por outro
lado, é curioso também vê-lo mais à vontade justamente no domínio visual de sua
obra, em uma relação onde o texto e a direção de atores mais tradicional são abandonados
em nome de um olhar que se dá o direito de vagar, buscando afetividade nas superfícies
das formas e na interação das cores da paisagem que parecem genuinamente fascina-lo.
Se Um Amor Jovem não tem força para cristalizar Hawke como realizador,
seus bons momentos são suficientes para manter a curiosidade sobre os caminhos
de sua carreira futura ainda viva.
Dezembro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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