O Incrível Hulk (The Incredible
Hulk), de Louis Leterrier (EUA, 2008) por Eduardo
Valente
Incrível, de fato
Curioso caminho do cinema, este que nos apresenta
um Incrivel Hulk, assim mesmo, como se fosse um primeiro filme, apenas
cinco anos depois que Ang Lee havia feito o seu Hulk, do qual este gostaria
então de fazer tabula rasa, e começar do zero. Esta relação descartável com a
própria memória cinematográfico-mítica, aliás, explica muito da atual produção
mais francamente comercial que vem dos estúdios americanos, que conta com uma
capacidade de atenção e de retenção por parte da platéia que não dure mesmo muito
mais do que alguns segundos após o final de uma sessão. Dentro
desta concepção, o homem chamado para realizar este Hulk tinha uma missão
bem clara: realizar um anti-Ang Lee, um filme que deixe de lado ao máximo possível
a relação anti-naturalista e nada heróica de seu predecessor, filme que fazia
a mais auto-consciente aproximação com o universo dos quadrinhos desde o Batman
de Tim Burton, ao mesmo tempo em que exacerbava um potencial para a tragédia e
o mito que é tão típico do personagem do gigante verde. Trocando em miúdos:
colocar em destaque o "incrível" que havia no Hulk, como o jogo
entre os títulos deixa claro. Neste sentido, os responsáveis pela produção
deste Incrível Hulk não poderiam ter chamado diretor mais adequado, afinal
Louis Leterrier é um exímio diretor de ação, cujas seqüências de perseguição,
brigas ou efeitos visuais são algumas das melhores vistas recentemente no cinema
de ação hollywoodiano. No entanto, para a sorte do espectador,
ele também é mais do que isso: como poucos em Hollywood hoje, Leterrier mostra
neste filme ser um diretor atento a conceitos que vão se tornando rapidamente
anacrônicos, como os da criação de clima, ritmo e, acima de tudo, alguém capaz
de fazer de um cinema (e personagem) que se alimentam da violência dos acontecimentos
algo ao mesmo tempo fascinante como espetáculo e perturbador como efeito. Assim,
Leterrier consegue um feito e tanto, não apenas inesperado como também certamente
supérfluo para seus empregadores: indo em caminho totalmente distinto daquele
seguido por Lee, realiza uma versão do Hulk que possui força e pulso próprios,
que parece fugir da tendência ao anonimato hiper-movimentado da maioria dos seus
contemporâneos que miram um mesmo público. Uma
série de momentos nos comprovam esta mão firme de Leterrier, a começar pelas seqüências
na favela carioca, onde encena uma belíssima mistura de abstração geográfica (e
as reclamações sobre incongruências cariocas ou dublagens em português são tão
ridículas que passarei por cima delas sem maior atenção) e violência a partir
de uma decupagem atenta, uma iluminação discretamente entre o realismo e a pintura
de ambientes e um uso comedido e ao mesmo tempo fortíssimo dos efeitos visuais.
É apenas a primeira da série de grandes seqüências de ação do filme, que deságuam
num confronto de criaturas nas ruas de Nova York que nos leva de volta ao melhor
do cinema catástrofe, em especial aquele tipo que fez a festa do melhor dos Godzilla
e afins. Há naquele confronto uma retomada de uma energia primordial da destruição
em larga escala, misturada com a insanidade violenta de ambos os personagens e
um trabalho de som impressionante, que leva o espectador a um estado quase infantil
de excitação e medo, algo primordial no cinema de ação. Leterrier
conta ainda com a escalação esperta de Tim Roth num personagem que nos relembra
claramente quem estava por trás de toda aquela maquiagem no papel do chefe dos
primatas no Planeta dos Macacos de Tim Burton. Seu Emil Blonsky atinge,
ainda que em outro registro, alguns momentos tão fortes quanto os do antológico
General Thade. No entanto, curiosamente, um dos pontos fracos do filme é justamente
a presença de outro grande ator, o protagonista Edward Norton. Nem se trata de
uma questão de que o seu Bruce Banner parece um pouco jovem e/ou raquítico demais
perto das outras encarnações do personagem que temos na lembrança: o problema
é o excesso de interpretação que Norton quer trazer ao seu personagem, o desejo
de torná-lo um personagem com nuances psicológicas repisadas ao extremo – como
se o simples fato de vermos o seu corpo se transformar num monstro verde não fosse
o suficiente para entendermos seu drama. Diz a lenda que Norton, extremamente
ligado ao projeto, teve desentendimentos com o material de Leterrier na pós-produção,
porque ele havia feito um filme de ação puro e simples, enquanto Norton queria
mais e mais nuances. Bom, a posição deste que escreve aqui é clara: Leterrier
tinha toda a razão e seria melhor ainda se tivesse podido fazer mais e mais no
filme. No final do filme, os leitores de quadrinhos
ainda ganham um presente extra, com a cena destacada em que surge o Tony Stark
interpretado por Robert Downey Jr, adiantando a convocação para a formação de
um grupo de heróis. Com esta cena (já devidamente preludiada numa cena bem parecida
que poucos viram depois dos créditos de Homem de Ferro), fica claro que
Stan Lee, o homem por trás dos heróis Marvel e agora por trás da Marvel Studios,
cada vez mais dá as cartas nos filmes baseados em seus personagens e começa a
vislumbrar um futuro onde possa brincar com estes da mesma forma como fez nas
fases mais bem sucedidas dos seus quadrinhos, com os famosos tie-ins (histórias
que misturam vários heróis). Devo confessar que, se for para seguir o caminho
dado por Leterrier aqui, este antigo leitor de quadrinhos deixa a criança dentre
dele se animar bastante.
Julho de 2008
editoria@revistacinetica.com.br
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