in loco - cobertura dos festivas
Independência (Independencia), de Raya Martin (Filipinas/França/Alemanha/Holanda,
2009) por Julio Bezerra Independência
ou morte
O cinema de Raya Martin é um exercício
de imaginação assombrado pela história das Filipinas, um país marcado pela colonização
por três metrópoles diferentes: a Espanha, os EUA, e o Japão. Neste sentido, é
importante saber que este Independência, seu mais novo longa, não é apenas
um filme realizado para confrontar um tema, mas sim trata-se da segunda parte
de uma trilogia que busca lidar com certos fantasmas nacionais. E se o primeiro
longa do trio (A Short Film about the Indio Nacional) se passa no período
de domínio espanhol, Independência reflete a ocupação americana (a terceira
e última parte será ambientada durante a colonização dos japoneses). Cada projeto
segue um modelo bem distinto de cinema, de alguma forma associado ao período que
retrata. Se em A Short Film about the Indio Nacional,
Martin recorria ao cinema mudo (o filme se move em uma bela especulação: e se
câmera de cinema tivesse sido inventada um ano antes e alguém pudesse ter filmado
a Revolução Filipina de 1896?), agora ele faz um uso estilizado de filmagem que
nos remete ao cinema hollywoodiano dos anos 30. O filme é uma maneira de Martin
recontar um ponto crucial na história das Filipinas através de
um estilo de narrativa de rica simbologia que extrai o máximo do cinema americano
dos anos 30: filmado inteiramente em um estúdio, com cenários pintados, fortes
maquiagens nos rostos dos atores, atuações exageradas em seu gestual e fala, além
dos flagrantes estereótipos raciais. E tudo isso é muito evidente. Embora os personagens
sejam ingênuos e o ritmo envolvente, Martin quer nos manter consciente do que
ele está fazendo. Sendo assim, a narrativa será interrompida por uma espécie de
cine-jornal satírico, e, em um determinado momento, quando somos mergulhados em
uma certa atmosfera no meio da selva, o personagem olha para a câmera e nos diz:
"Eu ouço o som dos americanos. Eles são muito próximos. Ouça". A
história é simples. Uma mãe (Tetchie Agbayani) e seu filho (Sid Lucero) se refugiam
no meio da selva quando as tropas americanas começam a invadir as cidades do país.
Eles levam uma vida austera longe da civilização até que o filho encontra uma
mulher (Alessandra de Rossi) ferida e supostamente violentada pelos americanos.
A mãe morre de doença. O homem e a mulher têm um filho (Mika Aguilos) e começam
a viver juntos em paz no meio da selva. O cineasta faz uso de uma estética popular
no cinema americano dos anos 30 para subvertê-la, criando neste processo algo
original. Martin fez um filme sobre a impossibilidade de uma experiência. Independência
parece nos falar sobre a impossibilidade de um determinado cinema nas Filipinas.
O longa marca talvez uma certa indignação de um cinema filipino que por diversas
razões ignora seus primórdios e origens, e funciona ao mesmo tempo como um comentário
sobre o efeito hipnotizante daquilo que parece ser o mais duradouro legado dos
americanos: o amor pelo cinema. Martin
aborda o conceito de independência em sua forma mais “pura”. Uma mãe e um filho
que sacrificam o conforto da vida colonial para morarem sozinhos na floresta.
Ao se retirarem da civilização, tornam-se temas da natureza. Ainda assim, mesmo
na selva, os traços das vidas anteriores dos personagens permanecem: a mãe sonha
com um encontro sexual intenso, enquanto o filho se imagina lutando em uma guerra.
Eles estarão sempre marcados pela influência estrangeira. O menino branco e pálido,
que presumimos ser filho da mulher com seus agressores americanos, talvez seja
uma exceção, o único personagem verdadeiramente independente. Os americanos se
aproximam lentamente da floresta. Os alimentos se tornam aos poucos escassos e
uma poderosa tempestade se forma no horizonte. Abraçado pela natureza, o menino
sobrevive e opta radicalmente pela independência. Martin sublinha o sacrifício
do personagem com cores marcantes e muito estilo (segundo o cineasta, trata-se
de uma homenagem a Stan Brakhage) na talvez mais bela cena do filme. Mas o mais
importante é a implicação por trás da decisão do menino: a de que só ele escolheu
o seu destino, ninguém mais. Independência. Outubro
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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