Dias de Glória (Indigènes),
de Rachid Bouchareb (França/Argélia, 2006)
por Leonardo Mecchi

Lutas inglórias

Em Dias de Glória, o diretor Rachid Bouchareb resgata a memória da participação das colônias africanas na libertação da França durante a 2ª Guerra Mundial, ancorando-se para isso num registro realista (como deixam claro as impressionantes cenas de batalha e os registros documentais dos créditos iniciais). Ao mesmo tempo, busca realizar uma denúncia do descaso que a França destinou aos seus “heróis” (denúncia essa explicitada nos créditos finais do filme). O curioso é que, ao desenvolver sua narrativa, o diretor francês opta (de maneira aparentemente inconsciente) por construir um retrato deveras conivente da postura francesa perante os soldados africanos e, eventualmente, acaba por reproduzir uma atitude submissa destes.

Os soldados argelinos, marroquinos e de outras colônias francesas – agrupados pelo filme sempre como um grupo homogêneo de “africanos” ou “muçulmanos” – são retratados como soldados fiéis que, nas palavras de um de seus sargentos (ele mesmo um africano, mas que renega suas origens para crescer na hierarquia militar), “são capazes de morrer por nós, mas que não aceitam injustiças”. As injustiças a que esses soldados não aceitam ser submetidos, porém, em nada têm a ver com sua condição de colônia (questão que jamais é colocada em pauta pelos soldados), mas dizem respeito ao fato de serem sempre preteridos em favor dos soldados “legitimamente” franceses. Tais injustiças são perpetradas por uma França sem rosto, uma vez que todos os oficiais franceses retratados pelo filme são compreensíveis e benevolentes e, se não atendem a alguma reivindicação de seus soldados negros, é porque “ordens superiores” assim o determinam.

Essa ausência de personagens que encarnem as contradições da relação entre a França e os exércitos de suas colônias, ao invés de apontar para um problema endêmico e não pontual, acaba por esvaziar a denúncia a que o filme se pretende, da mesma forma que culpar o “capitalismo” ou o “mercado” pelas mazelas da sociedade ocidental em nada contribui para a análise ou resolução desses problemas. Paralelamente a isso, a construção desses personagens africanos reforça uma postura subserviente perante a metrópole. Dessa forma, soldados entoam hinos que enaltecem a morte pela pátria-mãe, cantam orgulhosos a Marseillaise, exaltam a beleza da mulher francesa, sonham em fincarem raízes em território francês e soltam declarações como “a terra francesa é melhor, não cheira mal como a nossa”. Mais do que um retrato das contradições e deslumbramento daqueles soldados, tais aspectos se prestam a pintar com gloriosas tintas a França, e acabam de certo modo por justificar os sacrifícios exigidos das colônias africanas.

Se como filme de guerra Dias de Glória consegue se posicionar como uma obra interessante e bem encenada (principalmente nas seqüências de batalha), como denúncia assumida que é, o filme se constrói sobre contradições e atos falhos que acabam anulando um eventual poder daquelas imagens de atuar junto à realidade em que se inscrevem.


editoria@revistacinetica.com.br


« Volta