O
Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (The Assassination of
Jesse James by the Coward Robert Ford), de Andrew Dominik (EUA, 2007) por
Ronaldo Passarinho Bela
busca pela voz própria
Ron Hansen, autor
do romance homônimo que deu origem ao filme, afirmou em entrevistas que quase
tudo o que é dito no longa-metragem, da narração aos diálogos, veio do seu livro.
Mas a narração é quase sempre acompanhada de imagens distorcidas, num efeito que
não é nem simplesmente decorativo nem puramente funcional (para marcar a passagem
do modo dramático para o épico). Ao distorcer a imagem, algumas vezes deixando
em foco apenas um pequeno espaço no centro do plano, Andrew Dominik, roteirista
e diretor do filme, põe em cheque a veracidade da narração. A opacidade da imagem
nega a autoridade da palavra falada. E essa opacidade no modo épico é reiterada
em vários enquadramentos no modo dramático, em que vemos os personagens através
de grossos vidros de janelas. Isso não é literatura: é cinema. Em
seu segundo filme, Dominik deixa claro que é bem mais do que um simples ilustrador.
A estrutura episódica de O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford
segue à do romance de Hansen, mas o resultado não é um romance ilustrado. A seqüência,
em flashback, do assassinato de Ed Miller é um bom exemplo do talento do
diretor. Jesse James e Miller, que fazia parte de seu bando, cavalgam à noite
pela neve. O uso da teleobjetiva deixa Miller em foco, enquanto James cavalga
atrás dele. Dominik encena em profundidade, aproveitando o foco seletivo para
aumentar a angústia da cena. Com Miller em primeiro plano, se distanciando cada
vez mais de seu algoz, James e seu cavalo viram borrões coloridos na paisagem
monocromática. Dominik refina ainda mais a encenação ao fazer com que Miller oculte,
em certos momentos, a figura de James. Além de transferir para o espectador o
estado mental de Miller, que nunca sabe exatamente onde está James e quando virá
o tiro, a mise-en-scène e a cinematografia reforçam a figura de Jesse James
como um onipresente anjo da morte, que aterroriza as vidas de quem trabalhou para
ele. Como
roteirista, Dominik fez escolhas ousadas ao seguir de perto o romance, como a
de abandonar durante longos trechos os dois personagens principais. Como diretor,
apesar de ter engendrado seqüências magistrais, Dominik ainda não encontrou sua
própria voz. Há muito de Terrence Malick e de Paul Thomas Anderson no filme. São
ótimas influências, mas que não foram de todo bem digeridas. Quando James abandona
Kansas City, por exemplo, a montagem remete, em seu jogo de luz e sombras, à impressionante
seqüência do assalto ao trem, mas também é um pastiche do cinema sensorial de
Malick. E toda a magnífica seqüência final, por melhor que seja, é um pastiche
da abertura de Magnólia, de Anderson. Ainda assim, O Assassinato de
Jesse James pelo Covarde Robert Ford é uma bela colcha de retalhos. Novembro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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