in loco - cobertura do É Tudo Verdade Jimmy
Carter - O Homem de Plains (Jimmy Carter Man From Plains), de
Jonathan Demme (EUA, 2007) por Fábio Andrade
 Ser
político Jimmy Carter – O Homem de Plains se revela
um filme crescentemente político ao passo em que vai frustrando as expectativas
de quem esperava um panfleto. Embora a observação da turnê de divulgação do polêmico
livro de Jimmy Carter, Palestine: Peace Not Apartheid, talvez sugira, para
uns, a possibilidade de um interesse em traduzir o conteúdo do livro para a tela,
o filme de Jonathan Demme logo mostra que sua escolha de personagem é guiada por
uma crença política de um cinema anterior: em vez do imediatismo de registro de
um Farenheit 11 de Setembro, a preocupação política de Demme é, como nos
filmes de John Ford, com os valores que orientam a maneira como a pólis se estrutura.
Não existe, portanto, uma estrutura de crise em andamento,
pois até mesmo a confrontação pública das idéias de Carter com as opiniões do
professor Dershowitz serve mais para afastar qualquer desejo de canonização do
ex-presidente norte-americano do que para provocar um grande evento, como nos
filmes de Michael Moore. Ficar do lado dos santos não é, a rigor, uma atividade
política. Ao mostrar a possibilidade de resposta, de uma idéia contrária àquela
que defende o protagonista do filme, Demme reforça a crença que move seu filme;
afinal, a aproximação política é muito mais uma identificação de valores do que
a assimilação de uma tese. Nesse sentido, é bastante simbólico o discurso de Carter
no início do filme – homem extremamente religioso – sobre o uso de uma mesma crença
religiosa para os mais variados fins. A
contraposição proposta por Jonathan Demme é sutil justamente por não se focar
em uma idéia em particular (no caso do livro de Carter, a de que Israel praticaria
uma forma de apartheid ao criar um muro dentro do território palestino,
impedindo o direito de ir e vir desse povo em sua própria terra), mas sim em observar
um homem político em atividade. Longe do poder convencional desde a derrota nas
eleições, em 1981, Carter parece tomado da percepção de que ainda há muito a se
fazer pelo mundo, e que, aos 83 anos de idade, o tempo para realizar mudanças
é, de fato, cada vez mais curto. Esse trabalho se expande em livros publicados,
viagens, entrevistas, visitas a países em crise, trabalho voluntário, debates
em universidades, sempre com uma serenidade absolutamente inabalável. É essa dedicação,
portanto, que parece interessar a Jonathan Demme em seu filme, pois ela parte
de uma essência transformadora anterior, de um compromisso político de colocar
idéias em discussão sem, necessariamente, precisar se preocupar com a realização
da política oficial.
Jimmy Carter – O Homem de Plains
se torna, porém, um filme valioso quando confrontado com o momento em que ele
se insere. Enquanto o mundo da política e do cinema parece mais apegado ao imediatismo
das relações palacianas, o filme de Demme comove ao propor um retorno ao que a
política tem de mais básico: a relação entre os homens. Em uma cena-chave do filme,
Jimmy Carter é perguntado se a situação entre os Estados Unidos e o Irã não está
como está por ele não ter dado resposta adequada à invasão da embaixada americana
no país em 1979. Carter responde que qualquer medida mais drástica teria matado
os 52 cidadãos norte-americanos tomados como reféns. Como ele conseguira resolver
a crise sem a morte de um refém sequer, era difícil crer que a operação não tinha
sido bem sucedida. O
filme de Jonathan Demme não deixa de ser bastante triste, pois boa parte do tempo
essa realização política é confrontada com o corpo de Carter – com a dignidade
e a fragilidade inseparáveis de sua idade avançada. Alguns dos poucos comentários
sobre a política corrente feita por Carter não são animadores: se, por um lado,
vemos as imagens do lendário acordo de Camp David, por outro somos perseguidos
pela ausência de qualquer envolvimento do governo norte-americano no processo
de paz no Oriente Médio desde a administração Clinton. A idéia de um homem-político
em extinção que a figura de Carter carrega tem muito de melancolia, mas a força
que o filme de Demme parece encontrar nesse momento é a de ecoar, como o discurso
da estagiária do Carter Institute que leva o ex-presidente às lágrimas, em uma
possibilidade de reversão; na crença de restituir à palavra ‘política’ um sentido
que os anos recentes parecem ter tentado encobrir.
Abril
de 2008
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