in loco - cobertura dos festivais
La Sirga, de William Vega (Colômbia/França/México, 2012)
por Raul Arthuso
Na
neblina
Logo no início de La Sirga, o espectador é
surpreendido por uma imagem de um homem morto fincado em uma grande
estaca no meio de um descampado, com um vento forte dominando
a banda sonora e uma densa neblina. Neste contexto é introduzida
Alicia, uma jovem nativa em roupas gastas, aparentemente fugindo
de uma ameaça recente. Essa primeira sequência traz
à tona um imaginário pós-apocalíptico
do qual a série Mad Max talvez seja o exemplar
mais notório. Mas o deserto humano cinzento de La Sirga
é dominado pela neblina.
Essa neblina que cobre os horizontes é talvez o elemento
mais importante de La Sirga. O título faz referência
à pousada do tio Alicia, onde ela vai viver após
a morte dos pais. Nesta pousada, cujo único modo de chegar
ou sair é pelo barco que atravessa o grande lago da região,
a única visão plena é a neblina. Esse elemento
turvo esconde, então, a "grande ameaça"
à qual as personagens hora ou outra se referem, mas nunca
é vista, explicitada, sequer sentida senão pela
cinzenta bruma e o som do vento que bate na frágil estrutura
de madeira da edificação. Contudo, não apenas
a ameaça, mas tudo o que envolve o universo de La Sirga
é relegado em algum momento ao extracampo: os turistas
que talvez cheguem ao fim do inverno; o primo de Alicia que foge
de La Sirga com certa frequência; a cidade onde todas as
necessidades são compradas; os parceiros de cooperativa
do tio; o marido da única empregada da pousada. Se em algum
momento esses dados ganham o quadro é para reforçar
o que está fora dele, dar energia ao não-visível.
Esse é também o grande problema de La Sirga,
pois esses elementos fora de quadro ganham contornos de promessa
que raramente se cumprem. Pois essas promessas perdem sensivelmente
sua força quando se dão ao olhar e o filme se abisma
na próprio buraco na medida em que não consegue
extrair do esvaziamento da trama, e das entradas em quadro do
que está fora, o mesmo interesse, principalmente em relação
ao forte poder imagético da primeira sequência. Seu
olhar se volta para as sugestões de perturbação
de sexualidade que Alicia causa nos homens ou nas descritivas
cenas do dia a dia da reforma da pousada para a chegada dos possíveis
turistas, que conseguem preencher um vazio, mas não manter
vivo o interesse do filme.
O
clima de estranheza aqui depende muito desse trabalho do fora
de quadro. Se a impressão do início é causada
pela mistura dos fortes elementos em quadro (o cadáver,
a estaca gigante, a neblina, o vento), ela vai se esvaindo cada
vez que o que é mostrado revela que esse mundo no limite
da ficção científica é apenas uma
comunidade afastada no interior de um país pobre. Talvez
seja o caso de um pequeno filme em uma cinematografia (a colombiana)
desconhecida dos grandes festivais que precisa oferecer alguma
estranheza para chamar atenção para si. Mas, na
verdade, tudo em La Sirga é muito concreto. A
dubiedade que sua roupagem levanta nunca passa da segunda linha.
Outubro de 2012
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