in loco - II semana dos realizadores
Laura, de Fellipe Barbosa (Brasil/EUA, 2010)
por Fábio Andrade

Às bordas da modernidade

É inevitável que, enquanto assistimos a Laura, sejamos confrontados com o quão alinhado o filme se mostra a uma série de tendências recentes do documentário brasileiro. A primeira evidência está em seu título: Laura é um filme de personagem, e nisso ele cumpre muito do que se fez comum nesse nicho do documentário brasileiro. Laura, a protagonista, é uma mulher exuberante, profundamente conectada à sua performance e imagem, que vive uma vida igualmente excepcional e decadente, frequentando as festas estelares de Nova York com uma elegância incondizente à pilha de tranqueiras que toma todo seu apartamento. Laura é, portanto, um filme que afirma as maravilhas do indecifrável – ou, mais que isso, o valoriza.

Mas há, também, uma segunda tendência que o filme abraça, que decorre da primeira. Como Laura é uma mulher consciente de sua presença cênica, é inevitável que o filme se torne um pequeno embate entre documentarista e personagem, transformando a cena em uma espécie de cabo-de-guerra presencial. Por conta disso, é natural que Laura se coloque nessa fronteira entre o documentário e a encenação – fronteira que, no cinema brasileiro, hoje parece mais habitada do que os dois lados que ela pretendia conectar (ou dividir, dependendo de quem olha). Com isso, Laura se junta ao grupo difuso do qual também fazem parte Moscou; Santiago; Pacific; Chantal Akerman, de Cá; Serras da Desordem; Avenida Brasília Formosa – filmes que, tão radicalmente diferentes entre si, são amontoados nessa areia movediça que quebra e reafirma o engodo (por vezes os embaralhando), e que alimenta discussões infindas sobre uma questão que, se não for de todo falsa, decerto não é nova: são filmes brasileiros que nos lembram, enfim, o que é o cinema moderno.

Laura não é tanto um filme moderno, quanto um filme que muitas vezes deseja ser moderno. Quando esse desejo se torna maior que seu lastro, o filme se perde na gratuidade que tanto caracteriza a modernidade: uma cena se repete avisando graficamente que há um take 2, mesmo que os dois takes pareçam estar no filme apenas para afirmar essa revelação. Não sabemos se o take 2 foi solicitado pelo diretor ou pela personagem; não há dimensão de crise. O take 2 representa apenas a necessidade de afirmar a sua própria existência, como o convidado indesejado que, não bastasse estar presente, faz questão de o tempo todo gritar que está ali. É um recurso que – mesmo não recorrente ao longo do filme – ressalta essa vontade barroca de se revelar, mesmo que a revelação àquela altura já seja absolutamente desnecessária, e não traga nada que reconfigure o filme.

Mas Laura, por outro lado, é uma personagem indubitavelmente moderna – algo expresso não só por sua consciência de imagem, mas também nesse luxo decadente que ela decidiu encarnar para o mundo. Nos momentos em que a câmera se coloca simplesmente no caminho dessa personagem, aí sim temos um jogo de atração e repulsa bastante forte que sustenta o filme com visível firmeza. Quando Laura diz, por telefone, ter perdido a confiança no diretor; ou quando ela o enfrenta por estar querendo criar cenas que ela não acredita representarem-na com justeza, Laura cresce muito – mesmo que seja pela mundana curiosidade de se ver aonde aquela ruidosa relação pode ir, e a que ponto essa tensão poderá ser esticada sem que o rompimento seja inevitável. Nesse suspense desinteressado que fricciona forma e matéria, Laura consegue ser, de fato, um filme moderno.

Setembro de 2010

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