sessão cinética
Like
You Know It All (Jal aljido mothamyeonseo), de Hong Sang-soo (Coréia do Sul,
2009) por Fábio Andrade A
inevitabilidade flutuante
Reconhecendo alguma
ironia, é difícil falar sobre Hong Sang-soo sem retomar Turning Gate –
filme que ele lançou em 2002 que, hoje, parece o mais fundamental de sua carreira.
Ironia sim, pois Turning Gate fala sobre a incontornabilidade de um retorno.
Próximo à metade do filme, uma das personagens coadjuvantes conta ao protagonista
o mito do Turning Gate – um portal que, por conta da história, se tornou ponto
turístico da cidade. Hong Sang-soo – que, desde seu filme anterior, já se dedicava
às obras partidas ao meio – constrói a segunda metade de Turning Gate como
uma reencenação desse mito dentro da vida da personagem principal, submetendo-lhe
à mesma trajetória do herói da narrativa que seu amigo lhe contara. Ao adotar
o mito como título do filme, o diretor já indica a construção em camadas que lhe
será determinante. O filme é, por si só, também um mito, e revelar o caráter circular
de sua construção é chamar a atenção para a inevitabilidade dos destinos das personagens.
Ao diretor, não cabe puni-las ou salvá-las desse destino, pois, como personagens,
elas existem para cumpri-lo. Cabe-lhe, apenas, fazer o que deve ser feito. Like
You Know It All parte de uma premissa semelhante a todos os filmes de Hong
Sang-soo desde Turning Gate, levando adiante seu processo de depuração
em busca da transparência. Pois se no filme de 2002 ainda tínhamos o mito – assim
como em Conto de Cinema tínhamos um filme – Like You Know It All já
não precisa de artefatos externos para produzir seu próprio espelhamento. Falas
se repetem, situações reaparecem, sentimentos migram de uma personagem à outra
ao decorrer do filme; tudo isso para construí-lo como uma espécie de ciclo vicioso,
uma estrutura poderosa e arbitrária da qual as personagens nunca conseguirão fugir.
Hong Sang-soo cada vez mais nos chama a atenção para o fato de que estamos vendo
um filme, e que esse filme é absolutamente controlado por forças que lhes são
externas. É preciso que sejamos seus cúmplices. Com essa opção demonstrativa,
Hong Sang-soo parece fazer um comentário sobre o que teria se tornado o próprio
cinema – e, nesse sentido, é providencial que a maior parte de seus protagonistas
sejam diretores. Seu
sistema parte de um ruído forte e fundamental: ao mesmo tempo em que ele privilegia
situações banais e personagens que frequentemente se aproximam do patético, a
evidência de sua estrutura sublinha que não estamos olhando para a vida, mas sim
para uma construção calculada e consciente de um universo. Não há, em sua abordagem
cotidiana, nenhum interesse em simular realismo ou camuflar as amarras da dramaturgia;
ao contrário, o cinema de Hong Sang-soo se torna francamente político justamente
ao se assumir como uma construção. Todos os dramas das vanguardas e pós-vanguardas
já estão completamente superados; o que cabe ao cinema, agora, é falar do que
é realmente importante em seu momento: um homem que tenta levar uma mulher para
a cama. Esse desejo é comum a todos os filmes de Hong Sang-soo, e o que muda é
tratamento que ela ganha em cada um dos filmes. Em Like
You Know It All, o diretor parece levá-la a um curioso entroncamento: ao mesmo
tempo em que o constrangimento do cortejo sexual perde toda a sua carga explícita
(as cenas de sexo, presentes em todos os outros filmes do diretor), a câmera ganha
uma mobilidade que só faz evidenciar sua capacidade de produzir sentidos, comparações
e contrastes. Retração e expansão, simultaneamente. Isso fica especialmente claro
nas associações feitas com elementos da natureza: uma panorâmica conduz uma conversa
a uma lacraia que rasteja pelo chão, um sapo que nada na piscina, ou uma pequena
ilha que parece – como as mulheres fazem com os homens – atrair toda a água ao
seu redor. Essa escrita naturalista, embora já existente na cena do porco em Noite
e Dia, ganha aqui um caráter reiterativo que é tanto inédito quanto misterioso.
Há um retorno do espelhamento, mas dessa vez é a natureza quem explica o cinema,
e o cinema que se faz ferramenta para que possamos acessar a natureza do mundo. Novembro
de 2009editoria@revistacinetica.com.br
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