Lola, de Brillante Mendoza (França / Filipinas, 2009)
por Pedro Henrique Ferreira

LolaExcesso de consciência

Novamente, o internacionalmente aclamado diretor Brillante Mendoza trata dos estrépitos da cidade de Manila e suas adjacências, tomando seus aspectos sórdidos como evidências de um espaço imerso em dilúvio, abandonado pela providência à própria sorte: chuvas incessantes, enterros em canoas, casas desmoronando, dificuldades financeiras, violência mórbida e trapaças urbanas. Em suma, miséria em todos os cantos. O que periga decair para um panfletário exaltado de denúncia se torna logo um retrato comovente de duas senhoras lutando para resgatar a dignidade de seus filhos. Assim, Lola adentra uma senda comum no cinema filipino contemporâneo: uma elegia aos sobreviventes de uma história desgraçada.

Das andanças de duas avós que, apesar da artrite, se carregam por ruelas sujas lutando para resgatar a dignidade daqueles que amam, o diretor filipino faz um resgate de seu sofrido povo, que sobrevive silenciosamente em condições eternamente precárias. Num caloroso panegírico à gente de sua terra natal é que Lola encontra sua força. O curioso é que é também por estes mesmos aspectos, por esta ambivalência entre um arcabouço de evidências de uma árdua situação de vida e duas trajetórias de luta neste meio, que o filme de Mendoza revela suas principais fraquezas. Ora, é fácil se perceber que a redenção do amor maternal das duas lolas ("avó" em filipino) só se instaura justamente porque há uma ênfase devastadora no terror do ambiente. Se é admirável o quão determinadas, pragmáticas, e afetuosas estas mulheres são, o é justamente pela reiteração contínua de um lugar claustrofóbico que as força a ser desta maneira para sobreviver. O caráter entranho de denúncia social termina por saltar à superfície, e, ao contrário do amor soberano que observamos, por exemplo, em Alexandra de Sokurov, aqui adquire força somente na dependência que se cria em relação à cidade degradada.

LolaO resultado é que, para agarrar o espectador neste drama, Mendoza termina por depender demasiadamente de cenas e situações abjetas e desgastantes que, ainda que se mantenham num tom adequado pela maior parte do filme, por vezes extrapolam os limites e correm o sério risco de se tornarem simplórias, unívocas, uma grande mesmice um tanto quanto óbvia. As avós lutam simplesmente porque Manila as compele, as determina. E o que por vezes é um bonito retrato de duas senhoras e seus afetos evoca um drama social que se equilibra na tênue corda bamba do panfletarismo. O maior perigo, porém, é ainda cinematográfico. Ao extrapolar tal limite, a heurística de uma câmera forçosamente trêmula, rebaixando-se ao nível do solo para ver o mundo em contraplongée, torna-se um tanto inefetiva, matemática e insensível. A espantosa criatividade estética que transpira liberdade nesta geração filipina aparece um tanto quanto domada, e isto parece ser o resultado de uma plena consciência de seu tema e a forma pela qual opta por tratá-lo. Assim, o idílico humanismo que comove nas duas lolas termina subjugado pela certeza de um autor nas crises de seus tempos, nas mazelas do mundo que está a retratar, e na impossibilidade (que talvez resulte justamente desta consciência) do homem em sobrepujá-las.

Agosto de 2011

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