in loco - cobertura dos festivais
Loverboy,
de Catalin Mitulescu
(Romênia/Suécia/Sérvia, 2011)
por Raul Arthuso
Apenas
o esperado
O
protagonista de Loverboy parece desconectado com seu
mundo: enquanto o lugar que habita é marcado pela pobreza
das pequenas casas mal terminadas e pela aridez da paisagem, ele
é vaidoso, veste-se como baladeiro, cuida do cabelo, da
pele, se adorna com anéis e correntes brilhantes. Num certo
sentido, há semelhanças na caracterização
dele e do protagonista de Embalos de Sábado à
Noite: Luca (George Pistereanu) é uma espécie
de Tony Manero do cerrado romeno. Porém, as semelhanças
param por aí, pois enquanto no filme de 1977 há
um mergulho minucioso numa dialética entre Tony Manero
e o universo ao seu redor, que resulta na exposição
das contradições, problemas e limites tanto do espaço
quanto da personagem, num jogo conflitante de desejos e realizações,
em Loverboy há um olhar distanciado, como se a
estranheza evidente do personagem com o ambiente fosse dado forte
o suficiente para manter um ponto de vista “objetivo”,
como uma crônica relatando algo aparente.
Mas o que realmente interessa em Loverboy? O filme abre
com uma série de portas, mas não adentra nenhuma
delas, permanece como que objetivamente olhando as desventuras
das personagens (aqui em seu sentido pleno), como se não
fosse necessário desenvolver o drama. Há, primeiro,
um caso de polícia, servindo apenas ao propósito
de revelar o envolvimento de Luca com o tráfico de garotas
para prostituição em outros países da Europa.
O caso desaparece. Depois, entra o "trabalho" de Luca:
seduzir as garotas - então se entende seu trato com a aparência.
O que não se esclarece é como um filme que passa
algum tempo mostrando a sedução detenha-se tão
pouco sobre o corpo. Mitulescu consegue narrar os casos de Luca,
mas não consegue imprimir o desejo na tela: o que o torna
sedutor e o que é seduzido por ele não está
na tela, só a imagem (as roupas, a maquiagem, o cuidado
com a aparência). A câmera parece posicionar-se para
não envolver-se, fria, puramente narrativa, mantendo uma
distância segura em relação ao que é
fabulado.
Então,
é interessante notar que, na segunda metade, há
um dilema de Luca entre entregar ou não Vali (Ada Condeescu)
para seus patrões, o que acaba criando uma dúvida
involuntária: se tudo não passou de uma tática
para envolver Vali ou se realmente Luca está apaixonado
pela garota. Essa frieza da narrativa contamina o momento de identificação
do filme e tal dilema nunca se concretiza, pois o que há
no filme é esse distanciamento. Não surpreende que
o único momento de sexo e corpos expostos é aquele
no qual Vali transa com o contratante de Luca, instante em que
o choque da cena se impõe ao drama das personagens e é,
por efeito, o momento mais forte do filme, ao contrário
das outras sequências de sexo, sempre filmadas de longe,
com desenhos de luz e sombra que escondem o corpo.
As opções de Mitulescu parecem atender ao estilo
esperado do "novo cinema romeno" espalhado pelos festivais
internacionais. Há um impulso pelo retrato dos problemas
locais como uma marca registrada desse "estilo", o que
resulta em obras mais de efeito que de construção
interessante. Claro que há filmes que levantam questões
da realidade romena a partir das particularidades das personagens
e de uma narrativa ficcional forte, como Polícia, Adjetivo
e Aurora. Porém, há obras galgadas apenas
no efeito e em fazer o esperado de um certo cinema, baseado na
denúncia da dura vida local a qualquer preço, caso
talvez de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias. Pelo tratamento
da pobreza material do espaço e as contradições
psicológicas de Luca como absolutos, fatos que bastam
em si e com os quais se pode jogar aqui e ali com mera eficiência
narrativa, Loverboy parece estar no segundo time.
Novembro de 2011
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