Um Lugar Ao Sol,
de Gabriel Mascaro (Brasil, 2009)
por Fábio Andrade
Questão
de desigualdade Um Lugar Ao Sol parte de uma premissa
destacável justamente por sua raridade: fazer um documentário sobre a elite brasileira.
Neste caso, não só a elite, mas os moradores de coberturas de prédios em grandes
cidades do país. O recorte é raro no audiovisual brasileiro, ainda que não único.
No programa Espelho, que Lázaro Ramos apresenta no Canal Brasil, existe
um episódio em que sua equipe – formada, em sua maior parte, por jovens vindos
de comunidades carentes do Rio de Janeiro – ganha carta branca para fazer o filme
que eles gostariam de fazer. Eles procuram Eduardo Coutinho, que os incentiva
a conversar com uma classe social diferente da deles. Sai daí uma tentativa, nem
sempre bem sucedida, de entrevistar moradores de bairros nobres do Rio de Janeiro,
partindo sempre da tensão inicial de que esses moradores estariam abrindo suas
casas para um grupo de jovens moradores da favela. No caso
do filme de Gabriel Mascaro, a elite aparece dentro desse recorte espacial mais
específico das coberturas. A estratégia de aproximação – muito fortemente calcada
em entrevistas – é ainda mais estreita: pergunta-se, com raras exceções, apenas
sobre a opção de se morar no alto extremo de um prédio, de uma rua, de um bairro,
de uma cidade. Ao contrário das conversas de Coutinho, não existe o interesse
de conhecer essas pessoas para além do recorte anterior que produz o filme, e
que funcionaria apenas como uma delimitação para se buscar trocas interessantes.
Nos filmes de Coutinho, a crise social surge a partir desses encontros (pensemos
em Edifício Master ou Boca do Lixo, por exemplo), mas os encontros
se têm como seu próprio fim. Em Um Lugar Ao Sol, não; os moradores de cobertura
– ou, mais discutivelmente, essa elite – interessam apenas enquanto fabuladores
de seu próprio espaço. Com exceção de alguns poucos personagens
– a imigrante francesa sendo o exemplo mais claro de um discurso coerente, mas
que nunca é tomado como guia – o filme sustenta um olhar pré-definido sobre tudo
que olha. O recorte faz, das pessoas, talking heads oficiais de uma condição
espacial que, muito provavelmente, interessa mais à verdade do filme do que à
das personagens. Os caminhos dessa fala são sempre muito parecidos, passando,
principalmente, por alegorias de poder e misticismo. Os desvios do tema – com
raras exceções de dignidade – normalmente expõem uma desconexão com o mundo que
o filme, antes de problematizar ou se dedicar a compreender, vê apenas como ridícula.
Não se deve, é fato, exigir que um filme defenda seus entrevistados de suas próprias
palavras, mas cabe ao diretor escolher a relação que ele promoverá com essas pessoas,
e os personagens que ele quer construir da totalidade dos depoimentos. Nesse sentido,
o problema maior de Um Lugar Ao Sol é justamente a redução desses discursos
a peças de uma tese que não é de suas personagens, mas sim que o filme constrói
à revelia delas. Mais reveladora do que a ausência de créditos
(que teria sido exigência das próprias personagens) é uma sequência em que, conjugadas
a imagens aéreas tiradas do curta-metragem Menino-Aranha, de Mariana Lacerda,
ouvimos trechos de falas dos entrevistados descolados de seus rostos. Um Lugar
Ao Sol usa a cobertura de imagens (e a semelhança de termos é oportuna
para se pensar a semelhança de procedimentos) com a intenção de despersonalizar
o discurso de quem eles filmam – assim como o mundo é despersonalizado se olhado
de cima. Para Gabriel Mascaro, morar em coberturas é principalmente uma questão
de classes. Mas o problema maior do discurso de classes dentro da arte é que ele
serve a uma política que é exterior à obra – o que, por si, já reduz a arte a
ferramenta de uma verdade que só existe fora dela. No filme, não há sequer a percepção
de que em várias cidades brasileiras quem está mais alto é justamente o morador
de favela – o que, por si só, torna mais problemática a ingênua associação entre
espaço e posição social. Isso, porém, desmontaria a tese. Logo, não interessa.
Por conta disso, saímos de Um Lugar Ao Sol muito
pouco transformados por tudo que vimos. Como todo panfleto, sua ressonância depende
das orientações de cada ouvido, onde as falas assoberbadas podem, rapidamente,
virar escape para o riso. Esse deboche tem algo de balsâmico, mas, se morar em
coberturas é uma questão de classes, essas classes só saem mais apartadas ao final
do filme. Um Lugar Ao Sol aprofunda o isolamento pois, tal como a maioria
dos moradores, escolhe olhar para o espaço que separa as pessoas. E, talvez, o
primeiro passo para se aprofundar, efetivamente, uma idéia particular de elite
brasileira seja não fazendo das coberturas – dos prédios ou das imagens – uma
inacessível torre de marfim. Setembro de 2009editoria@revistacinetica.com.br
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