in loco
Potência de cinema por
Lila Foster
O
destaque absoluto entre as mostras paralelas do II For Rainbow foi a pequena retrospectiva
dedicada ao cineasta negro, militante do movimento gay norte-americado, Marlon
Riggs. Riggs descobriu ter contraído o vírus da AIDS durante as filmagens do seu
documentário Tongues Untied, e morreu em 1994 – não sem deixar um documentário
dedicado ao tema chamado No Regrets (“Sem arrependimento”). Tongues
Untied (“Línguas Desatadas, em tradução direta) é um documentário experimental
de média-metragem, produzido em 1990 para TV, mas que acabou circulando em festivais
ao ter sido censurado pela própria empresa produtora, com medo da reação de espectadores
conservadores. Marlon Riggs tece aqui uma obra política de magnitude impressionante,
partindo das contradições do próprio movimento negro em aceitar homossexualidade.
É um canto militante de união entre os negros (“brother to brother, brother to
brother”) que inicia o trajeto pessoal de descoberta da própria sexualidade que
é inseparável de um movimento coletivo de politização. Entranhando
de cultura negra (com cantos, poesia, rap, fotos e dança), a identificação inicial
entre “irmãos” da mesma cor se vê logo fragilizada pela resistência do movimento
negro e da igreja em aceitar a homossexualidade. Cantos e discursos se chocam
com o testemunho pessoal do fechamento para o mundo, uma internalização dos conflitos
e o silêncio. Deslocado, Marlon Riggs assume a sua sexualidade de forma plena
durante os anos de universidade somente para se ver deslocado, mais uma vez, diante
de uma cena gay fortalecida, orgulhosa, mas repleta de homens com corpos esculturais
e brancos. As confissões vão dando as pistas de um caminho
que assume a plena forma do seu título: línguas desatadas. Marlon Riggs denuncia,
se recusa a aceitar o ranking dos gays mais bonitos do país (sem a presença de
um negro sequer) e a fala preconceituosa de Eddie Murphy em shows de stand
up de conteúdo extremamente ofensivo em relação à comunidade gay. Da negação
segue a afirmação, o orgulho do encontro de uma cultura gay negra, que não é homogênea,
mas que se reconhece, permite que se crie uma comunidade na qual gays negros consigam
ter uma experiência plena. O próprio Riggs, com sua fala potente, declama poesias
de poetas negros e canta em manifestações “black, black, black, black, gay, gay,
gay”. Encenações de corpos negros entrelaçados e imagens documentais da cena gay
negra, de encontros de grupos militantes, casais, a dança de rua e passeatas é
o testemunho de uma luta política e são belas por essa afirmação. Affirmations,
curta-metragem de 10 minutos, vai direto ao desejo, quando retira da confissão
de um jovem sobre sua primeira experiência sexual homossexual pequenos slogans
de militância gay – sendo o mais potente deles “penetração é libertação”. Essa
ampliação de um relato localizado e pessoal que assume o estatuto de bandeira
afirmativa de um movimento faz desse pequeno curta-metragem um excelente panfleto
pela impossibilidade de se separar desejo e política. Setembro
de 2008
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