O Mensageiro (The Messenger),
de Oren Moverman (EUA, 2009)
por Eduardo Valente

Fantasmas incorporados

The Messenger conta a história de um soldado americano recém-chegado da Guerra do Iraque, que recebe como nova tarefa a função de contar aos familiares dos soldados mortos sobre esta perda. É um trabalho doloroso, para o qual ele tem a companhia de um superior bastante cínico. Pode-se antever, a partir desta sinopse, um filme episódico, levado adiante de acordo com a circunstância das entregas destas notícias, situações naturalmente bem talhadas para o cinema explorar a dramaticidade – algo de que, logo perceberemos, o filme tem consciência, escalando um Steve Buscemi ou Samantha Morton como alguns dos familiares das vítimas. No entanto, o filme passa por estas cenas até que com surpreendente contenção, com a única preocupação de que, mais do que vampirizar o momento da realização das perdas, entendamos o sofrimento do soldado encarregado de dar esta notícia. Até por isso, são momentos em que as câmeras vão para a mão, e refletem a sensação da perda de controle sentida pelos dois “mensageiros” frente ao desconhecido que é a resposta de cada um dos familiares – onde curiosamente eles, e o filme junto, vão descobrir que a resposta mais fria talvez seja a que mais os perturbe.

É natural, para um filme pensado a partir de uma lógica do pós-ação (conhecemos o protagonista quando ele já saiu do campo de batalha, conheceremos os parentes depois que seus filhos e maridos já estão mortos), que The Messenger seja um filme mais interessado na reação do que na ação em si. Neste sentido, parece muito justo que os seus momentos mais fortes sejam aqueles em que acompanhamos o personagem principal sozinho, precisando engolir de alguma forma os acontecimentos de cada dia no seu trabalho. A isso, ele soma seus próprios traumas do campo de batalha, ainda muito pouco digeridos, e também as perdas vividas em casa, como a da sua namorada de infância. De fato, a principal questão para o filme parece ser o fato de que um soldado que passou por um campo de batalha não tem condições de retornar da mesma maneira à vida normal do dia a dia, algo já tratado com alguma contundência no cinema, mas que retorna aqui com força na maneira como o personagem de Woody Harrelson lida com todos à sua volta e também na descrição que faz a personagem de Morton sobre o seu marido, na volta da guerra, como sendo um outro homem. Por tudo isso, The Messenger é, no fundo, um filme de fantasmas, e como todo bom filme de fantasmas, ele é muito mais potente quanto menos tentamos entender dele. Talvez por isso uma de suas cenas mais fortes seja aquela em que acompanhamos com alguma distância um jantar de boas-vindas de um soldado num bar, onde toda a dor da inadequação fica latente sem que se precise dizer muito (e ali é impossível não lembrarmos do episódio final do Redacted, de DePalma).

No entanto, como talvez o prêmio de melhor roteiro em Berlim neste ano já deixasse prever, The Messenger nem sempre aposta na força pura das imagens de seus personagens, e opta por urdir uma pequena trama a partir do personagem de Harrelson que soa sempre um pouco travada, programada demais. E aí claro que já podemos adiantar a chegada de algumas cenas de “abrir os corações” e “superar os sofrimentos”, coisa que o filme poderia facilmente passar sem. O espectador então tem duas opções: focar-se nestes momentos onde a emoção parece manufaturada para melhor apreensão e algum bem estar possível (sem contar uma latente vontade de concorrer a alguns Oscars); ou preferir lembrar de uma cena tão precisa no seu jogo de corpos dos atores com muito pouco sendo dito como é aquela entre o protagonista e a personagem de Samantha Morton em uma cozinha. Ali notamos que Moverman tem um olho bastante incomum dentro do cinema mais convencional para um trabalho físico, algo que já era indicado na maneira como monta elipticamente o reencontro sexual com a namorada logo nas primeiras sequências. The Messenger é sem dúvida desigual entre estes dois impulsos, mas não parece justo ignorar a potência atingida em alguns de seus melhores momentos, que são destes que conseguem capturar um sentimento de mundo (a dor, neste caso) através dos corpos de seus atores e da relação da câmera com eles.

Outubro de 2009

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