Mil Anos de Orações (A Thousand Years of Good Prayers),
de Wayne Wang (EUA/China, 2007)
por Francis Vogner dos Reis

Em busca da vida

Sejamos francos: Wayne Wang sempre esteve longe de ser um realizador que merecesse maior atenção. Ele sabe proceder bem ali e aqui, mas raramente faz um esforço extra para fugir do automatismo fácil que a maior parte de seus filmes apresenta. Por isso, mesmo sem ser um grande filme, é comovente que Mil Anos de Orações seja um simples trabalho elementar, longe da afasia de seus filmes de modo geral (corre por fora, Cortina de Fumaça), da vociferação de seus museus de cera como Sem Fôlego, sem também se aplicar a um trabalhinho “arrojado” como seu outro filme recente – que data também do ano passado -, o detestável A Princesa do Nebraska. Isso porque aqui ele não se preocupa em surfar em certo regime de imagens contemporâneas, como se essas, por si próprias, fossem capazes de tensionar sentido ao ritmo, o fundo à forma. Wang faz o oposto desses filmes: ele persegue algo concreto, obedece a um conceito, se submete à justa medida dos acontecimentos, dos silêncios. Seu desejo é permitir que o filme venha à tona, abrindo mão do direcionamento arbitrário que busca uma adequação a um estilo, que, na verdade, seria uma sobrecarga de formas como (novamente é preciso dizer) A Princesa do Nebraska.

O ponto de partida é comum em seu repertório: um chinês que vai aos Estados Unidos e encontra um mundo em que a concepção de tempo e trabalho em princípio é diferente do seu país, mas que no fundo, apresenta a mesma insuficiência moderna, que faz da rotina uma prisão. Em Mil Anos de Orações é o pai, cientista de foguetes aposentado na China, que visita a filha, bibliotecária em uma universidade de Montana. O pai é viúvo, ela é divorciada de um chinês. O senhor, chinês e comunista, passa os dias sozinho enquanto a filha trabalha, passeando pelo parque com uma garrafa de chá, conversando vez ou outra com uma senhora iraniana que, como ele, mal fala o inglês. Em casa, fala pouco com a filha, ela se limita a responder e a reagir.

Existe nisso tudo um trabalho complicado que é a procura do que é necessário ser dito e o que é preciso não ser dito, e mais ainda: como dar imagem à compreensão dessas coisas entre os interlocutores. Vemos uma conversa, mas, ao mesmo tempo, a recepção de cada um dos interlocutores sobre o que é dito é diferente. Por isso, quando é preciso revelar espaços de silêncio (e de sentimentos claramente contraditório ou indiscerníveis) entre os personagens, Wang se presta a construir o diálogo em um só plano, deixar que os atores se apropriem desse silêncio e da variação desses sentimentos. Existe um processo de gestação da palavra entre o pai e a filha. A palavra só vem quando ela é encontrada, Wang não precipita nada. Dá tempo aos personagens. Acredita que esses sentimentos precisam ser fundados sobre o choque entre as individualidades dos personagens. Choque não caótico, mas criador, norteador.

O plano fixo e o distanciamento (e a aproximação) dos personagens em seu interior são a ratificação de que a permanência de dois personagens dentro de um plano é uma negociação entre individualidades. Tanto que o plano e o contra-plano são usados quando essa negociação não existe ou a conversa é compreendida na base do equívoco ou da discordância declarada e sem crise, como o diálogo do protagonista com os garotos mórmons; o instante em que o guarda da universidade barra a sua entrada; ou quando ele observa sua filha com o namorado russo (ele está no escuro e fora de plano).

Wayne Wang não precipita nada. Sua busca é da imagem essencial (e descartar as que não são), porque dela é de onde nasce a palavra, submersa, recalcada ou simplesmente guardada. Acredita na espera. A função do filme é preservar e cultivar essa espera. O pai e a filha se encontram depois de anos para colocarem em ordem o que a vida tratou de dispersar ou suprimir. O título Mil Anos de Orações se refere a um ditado chinês que diz ser necessária paciência para que algo aconteça, mas para que possa acontecer um dia, é preciso mil anos de oração, ou seja, uma prática longa e serena da oração – em outras palavras encontrar o lugar do silêncio e da palavra: o único modo de ver as coisas tais como elas são. Encontrar a palavra ideal, a imagem justa.

Outubro de 2008

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