Instinto Secreto (Mr. Brooks), de
Bruce A. Evans (EUA, 2007) por Eduardo Valente
Um filme muito estranho
O trailer de Instinto Secreto fazia
crer que estaríamos frente a um sub-produto de Marcas da Violência, de
David Cronenberg, com William Hurt interpretando papéis parecidos e Kevin Costner
como o homem de família americano que pode ou não ter um passado negro e violento.
No entanto, mal começa o filme e ouvimos uma voz off de Costner fazendo uma oração,
pedindo para ter controle, que nos leva a uma cena em que ele recebe um prêmio
de “Homem do Ano”. Em seguida, vem a revelação de que o filme é bem diferente
do de Cronenberg, pois aqui não fica nenhuma dúvida ao longo da narrativa: não
só Costner tem indubitavelmente um lado negro, ele está ainda muito vivo dentro
dele (ou fora dele, no caso do personagem de Hurt, que surge aqui como um “amigo
imaginário” ou um superego em forma de gente), e o filme estará ao seu
lado em boa parte do tempo. Quantas vezes em um filme de Hollywood vemos um trajeto
tão amoral quanto esse de acompanhar um serial killer como “herói”, enquanto
ouvimos suas tiradas discutindo com seu lado negro? É
da relação entre Costner e Hurt que surge boa parte da estranheza deste muito,
muito estranho Instinto Secreto. Pois afinal, como mais classificar um
filme onde o impulso assassino é tratado como um vício, algo que leva Costner
a freqüentar reuniões do AA, onde tem diálogos muito engraçados com Hurt? Não
apenas um vício, porém, no sentido de algo que atormente o protagonista da narrativa
e o faça sofrer, mas principalmente uma compulsão que, segundo a narrativa, pode
ser transmissível – tanto geneticamente, numa trama paralela com a filha do personagem
de Costner; quanto por um processo de aprendizado e fascínio, numa trama com um
outro personagem. De
fato, a narrativa de Bruce Evans vai se desdobrando em muitas outras que se superpõem
de uma maneira absolutamente surpreendente, quase caótica, cuja conexão funciona
muito mais por acumulação do que por necessidades da trama. É o caso, por exemplo,
de toda a parte do filme relacionada à personagem de Demi Moore: quando ela aparece
em cena, temos a impressão de que, finalmente, teremos ali uma personagem positiva,
a heroína que poderá ao fim dar cabo da insanidade que ronda o mundo de Costner.
No entanto, sua história parece ir cada vez mais se distanciando em termos lógicos
da de Costner e logo vamos percebendo que, se as histórias vão mesmo se cruzar
eventualmente, isso se dará da maneira menos esperada e convencional. Quando isso
realmente acontece, temos uma cena perturbadora, com Costner falando no celular
com Moore do alto de um prédio, onde vemos que a admiração surgida entre eles
por conta da obsessão de cada um era algo muito mais importante para a trama do
que uma solução positiva para o espectador. E, de fato, o
espectador é deixado consigo mesmo ao final de Instinto Secreto para tentar
entender o filme que acabou de assistir, já que ele não oferece qualquer desfecho
prático ou moral que se conforme com as normas do cinema. Evans deixa as conexões
de sentido, que podem ou não existir entre suas tramas, para que cada um as trabalhe
com um final aberto e nada conclusivo. De certo, só mesmo a convicção de ter visto
um filme extremamente bem filmado e cheio de clima, que toca numa série de pontos
bastante delicados com uma curiosa mistura de humor e violência. É um filme mesmo
muito estranho. editoria@revistacinetica.com.br
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