in loco - cobertura dos festivais
Minha Mágica (My Magic), de Eric Khoo (Cingapura,
2008) por Paulo Santos Lima Um
pai, um filho e um diretor padrasto
Um
homem toma heróica, mas nem tão gloriosamente assim, várias doses de uísque, pedidas
com determinação única. Na interdição que o garçom lhe impõe, quando o cliente
já está pendendo de lado a outro do alcoolismo, surge uma tremenda cena: ele come
o copo de vidro, literalmente. Para terminar o show, ele tratará de dar uns sopapos
no barman, mesmo tomando golpes de taco de sinuca. Nessa primeira seqüência de
Minha Mágica, o diretor Eric Khoo prescreve para nós algumas sensações
que, juntas, criam uma suspensão: o homem, Francis, é uma figura de empatia total;
a bebedeira tem um indubitável viés cômico, ao passo que a degustação dos vidros
leva a cena para algo mais próximo de um teatro de bizarrices. É também uma introdução,
porque o filme, em seu correr, ficará entre dois extremos: um tipo de snuff
movie, e o drama singelo. É um filme que possui traços herdados de Fica
Comigo, filme anterior do diretor, sobretudo na dor, morte e drama da existência
que enreda as relações entre os personagens, mas também na visão de Khoo sobre
os acontecimentos diegéticos. Só
que, aqui o diretor opta por um discurso mais direto, numa simplicidade que beira
a teledramaturgia. Isso torna o filme mais feroz nos enunciados trazidos pela
imagem, uma vez que não há intermediação: as coisas acontecem numa “crueza” impressionante,
que amplifica tanto a beleza da arte de Francis quanto enfeia a concessão que
ele faz em se prestar a espetáculos de maltrato e força físicos medonhos. Nessa
clareza total do discurso na tela, Khoo traz informações quase pueris, como o
garotinho indo ao túmulo da avó e conversando sobre a mãe que foi embora, sobre
as condições precárias em que ele e o pai vivem. Mas há momentos belos nesse maremoto
de imagens tortas, como quando Francis prepara um belo almoço para o filho, ou
quando o menino vai herdando o talento do pai, inclusive encantando seus colegas
de escola que lhe prometiam uma surra. Khoo,
de fato, adota um registro literal para os acontecimentos na tela, mas sobretudo
o faz no desenvolver da história, que vai crescendo entre a radicalização do trabalho
ao qual Francis se submete e o entrosamento entre pai e filho. É como uma alternância
entre um Mundo Cão e um telefilme da Disney. Porque as imagens de Francis
tomando choque, pisando em brasa, apanhando com canos de metal, furando-se com
espetos (quase tudo real, sobretudo as perfurações e objetos engolidos) certamente
são as mais fortes do cinema recente – porque Francis é uma figura de um carisma
oceânico, um cara que gostaríamos de ter como amigo de bar ou para engolir fogo
ou sumir com moedas para nossa diversão. À
parte o discutível tratamento rústico formal e narrativo assumido por Eric Khoo
para este seu filme – algo que de certo modo é bastante hábil, pois acaba até
beirando o sensacionalismo e daí potencializando o drama dos personagens –, o
olhar do filme para Francis é bastante ingrato. Se é um fato como imagem fotograficamente
detectável que o bondoso homem está fora do peso, seus cabelos longos um tanto
ensebados, roupas vomitadas e tal, a conclusão do filme, no qual é revelado que
Francis era esbelto quando jovem, e fazia um espetacular e refinado espetáculo
ao lado da futura esposa, mostra a condição atual de Francis como algo a se desviar
os olhos. Ao mostrá-lo cindido entre a juventude apolínea e a maturidade bestializada,
o filme assume olhar crítico ao Francis de hoje. Após mostrar
uma terrível penúria física de seu protagonista, numa cena tocante, dele tombado
no chão esquecido de um cassino em ruínas, nos é dado o alento o seu avesso, no
devaneio do filho, numa contraposição covarde que rouba outras belezas desse digníssimo
homem. Francis, carregando todo o peso do filme, na simplicidade e nos paradoxos
que sua imagem terna e dramática porta, é um dado inesquecível. Quase um contraponto
que emaranha certas nuances perdidas naquela imagem de carnes e olhos sofridos,
que se coloca como obelisco num filme que possui qualidades em seu tom literal
e simples, mas bastante problemático no jogo que impõe a seu protagonista e, por
conseqüência, a quem o assiste. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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