na
agenda
Dezembro 2010
Ao menos para os cinéfilos
de Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, não
há dúvidas que 2010 foi um ano cinematográfico
especialíssimo. O motivo nada tem a ver com o circuito
de lançamentos, ou mesmo com seus respectivos festivais:
foi graças às mostras realizadas pelos CCBB
que foi possível travar o contato direto e em boas condições
tanto com a obra de figuras históricas essenciais como
as de John Ford, Yasujiro Ozu ou Tarkovski (este trazido apenas
pelo CCBB de Brasília, e depois levado ao Instituto Moreira
Salles no Rio), como a de nomes-chave para o entendimento do cinema
contemporâneo mundial, como são os de Pedro Costa,
Tsai Ming-liang, Kiyoshi Kurosawa (este veio ao Brasil pelo Indie,
mas só chegou ao Rio pelo CCBB) - além de mostras
temáticas e históricas tão ricas quanto as
do cinema filipino e de faroeste à italiana.
Assim, não haveria maneira mais apropriada de celebrar
um ano tão rico como esse do que com uma mostra em 35mm
com todos os longas de um dos mais influentes cineastas dos nossos
tempos: o taiwanês Hou Hsiao-hsien, que ganha sua primeira
retrospectiva no Brasil. Hou não só realizou alguns
dos filmes mais extraordinários do cinema recente, como
influenciou direta e decisivamente toda uma nova geração
de diretores. Em Hou Hsiao-hsien e o cinema de memórias
fragmentadas, pode-se retornar a obras-primas recentes como
Millennium Mambo, Cidade das Tristezas e Adeus
ao Sul, além de conhecer os primeiros e bem menos vistos
filmes do diretor, como Menina Bonita e Vento Gracioso.
A mostra começou em São Paulo no dia 09,
chega ao Rio no dia 14 e vai a Brasília no começo
de janeiro. A programação completa está
no site oficial
da mostra.
(Fábio Andrade)
Novembro 2010
Enquanto o Indie não
ganha sua edição carioca completa, o CCBB-RJ teve a feliz
iniciativa de trazer para a cidade 16 dos 23 filmes exibidos na
retrospectiva dedicada pelo festival deste ano ao cineasta japonês
Kiyoshi Kurosawa. A mostra, que fica em cartaz de 9
a 21 de novembro, é chance de se corrigir uma injustiça histórica,
pois embora Kiyoshi Kurosawa seja um nome fundamental para o cinema
contemporâneo (Shinji Aoyama, por exemplo, começou sua carreira
em cinema como assistente do diretor), pouquíssimos de seus filmes
foram exibidos oficialmente antes no Brasil, mesmo no circuito
dos festivais. A negligência, porém, parece dizer mais respeito
ao velho preconceito com o cinema de gênero – no caso de Kurosawa,
em especial o de horror, mas não só – do que ao inegável talento
e contribuição artística do diretor: Kurosawa não só tem uma capacidade
rara de orquestração dos tempos e climas de cada cena, como demonstra
uma aguçadíssima precisão na relação entre o posicionamento da
câmera e o dos atores e objetos no espaço – algo que não se via
no cinema japonês com tamanha força talvez desde o mestre Kenji
Mizoguchi. Entre os filmes da mostra – todos eles em 35mm, embora
alguns tenham sido filmados originalmente em vídeo – há ao menos
três que estão alguns graus acima do "imperdível": Cure,
de 1997; Pulse, de 2001; e o devastador Sonata de Tóquio,
premiado na Un Certain Regard do Festival de Cannes 2008, e um
dos poucos já exibidos no Brasil (escrevi sobre ele aqui).
(Fábio Andrade)
* * *
O mês certamente é voltado para o cinema asiático
contemporâneo: a Caixa Cultural-RJ dedica entre os
dias 9 e 21 de novembro uma retrospectiva a Wong Kar-wai,
cineasta certamente influente, mas cuja maioria dos filmes está
bem visto pelos brasileiros, tendo sido lançados em nossos
cinemas (e serão exibidas nas cópias 35mm existentes
no Brasil, algumas delas bastante baleadas) e/ou disponíveis
em DVD. Infelizmente, as únicas raridades na mostra (Cinzas
do Passado e Conflito Mortal) serão projetadas
em DVD. Já os CCBB recebem a mostra Tsai Ming-liang:
O Homem do Tempo, do cineasta malaio que realizou a maior
parte de seus filmes em Taiwan (em SP, de 11 a 28 de novembro;
no RJ, de 23 de novembro a 11 de dezembro). Embora Tsai
também tenha tido boa parte de sua carreira lançada
em cinema no Brasil, vale notar que a mostra foi buscar alguns
de seus primeiros trabalhos, em curta, média e telefilmes,
nunca antes visto por estas bandas e de difícil acesso
em geral. Além disso, exibe o mais recente filme do cineasta
(Visage), ainda inédito por aqui. Se ambos são
certamente menos raros que os filmes de Kyioshi Kurosawa, por
outro lado a chance de ver (ou rever) alguns destes filmes pode
ser importante para reavaliar seu papel no cinema de hoje, e assim
entender um pouco o que vemos nas telas do mundo todo.
(Eduardo Valente)
Setembro 2010
Com a possível exceção da recente
retrospectiva de Yasujiro Ozu, os cinéfilos brasileiros não terão
acesso a evento tão expressivo como a Mostra John Ford
que se inicia no CCBB-SP em 22 de setembro, e segue logo
depois para os CCBBs do Rio e Brasilia. Serão 36 filmes
do mestre americano, a grande maioria não exibida nos cinemas
do pais há muito tempo; alguns dos títulos mais manjados como
O Homem que Matou o Facínora e Rastros do Ódio passaram
na Mostra de São Paulo no fim dos anos 90, os demais estão desaparecidos
de nossos cinemas por décadas. Estão lá desde os títulos famosos,
como Depois do Vendaval, Nos Tempos das Diligencias
ou Como Era Verde Meu Vale até raridades quase só conhecidas
pelos cultores do cineasta como O Aventureiro do Pacífico
e Nas Águas do Rio. Alguns fanáticos pelo diretor poderiam
se queixar da ausência de um outro título, dada a riqueza e escopo
da sua obra, mas há algumas belas apostas da curadoria como O
Último Cartucho, um dos filmes mais antigos que sobraram do
diretor, e que Raoul Walsh dizia ser o melhor filme do mundo;
ou ainda a dupla Caravana de Bravos e O Sol Brilha na
Imensidão, duas produções pequenas que Ford tinha como seus
dois melhores trabalhos (e não é tão difícil concordar com ele).
A mostra inclui ainda um curso ministrado por nomes como Hernani
Heffner e Ismail Xavier, e um belo catálogo com uma coletânea
do que se melhor produziu sobre Ford e permanecia inédito no Brasil.
(Filipe Furtado)
* * *
A mostra O Cinema de Pedro
Costa já chegou ao fim no CCBB de São Paulo, mas teve
a sua largada nesta semana nos CCBBs do Rio de Janeiro e Brasília.
Essa retrospectiva exibe a obra completa do cineasta, que reúne
10 filmes (sete longas e três curtas), e ainda integra à programação
quatro filmes que o cineasta considera tê-lo influenciado mais
profundamente: Gente da Sicília, de Daniele Huillet e Jean-Marie
Straub; Número Zero, de Jean Eustache; Trás-os-Montes,
de António Reis e Margarida Cordeiro; e Beauty#2, de Andy
Warhol. Isso quer dizer que nesses filmes é onde está a matriz/fonte
do trabalho de Costa? Não. A influência, no caso de Costa, não
busca a semelhança ou o trabalho com códigos e estilos comuns
a esses outros cineastas, mas uma certa irmandade de alma, pois
todos eles são artistas longe da abstração e da rarefação. Tudo
existe, em Pedro Costa
e nesses seus “irmãos de alma”, em estado bruto. É como se sentíssemos
nesses filmes o peso gravitacional das coisas, inclusive
das emoções e dos sentimentos. Filmes como No Quarto da Vanda,
Juventude em Marcha, Ossos e Casa de Lava
não se enquadram muito facilmente em definições generalistas (e
teóricas) que tentam rascunhar tendências do cinema contemporâneo.
Seus filmes são únicos, parecem vir do futuro (um cinema ainda
não realizado) e do passado (tem a franqueza, por exemplo, de
um John Ford ou a jovialidade de um filme do período silencioso)
ao mesmo tempo. Seria só obrigatório, se não fosse também deslumbrante.
(Francis Vogner dos Reis)
Agosto 2010
Como dissemos duas notas aqui abaixo, uma
série de mostras bem interessantes acabaram passando batidas
aqui nessa seção. Por sorte, podemos agora pelo
menos mencionar uma delas, uma vez que a mostra fantástica
que ocupa o Instituto Moreira Salles-RJ entre os dias 20
e 29 de agosto, tendo por título O Tempo de Tarkovski
e a Poesia de Pardjanov (cujo programa pode ser visto aqui),
só se tornou realidade graças a um evento anterior,
que ocupou o CCBB de Brasília no começo de julho
passado, de nome "Tarkovski e seus Herdeiros" - e embora
já tenha passado sua realização, ainda se
pode conferir como foi a mostra no site
do evento. O interessante da mostra de Brasília estava,
além do óbvio interesse por trazer quase toda a
obra do cineasta russo em película ao Brasil, justamente
nesta ideia de "herdeiros", uma vez que a maioria das
mostras que tem optado pelo viés autorista pouco permite
entrever de relações dos cineastas com seus contemporâneos
(como é o caso de Tarkovski e Paradjanov), e principalmente
daqueles que vieram depois. Estes trajetos enriquecem bastante
esse conceito que parece tratar um pouco os cineastas como universos
quase isolados, que rodam apenas em torno de si mesmos. Foi pena
que, ao contrário de várias outras fortes mostras
que só se viabilizaram com o apoio dos 3 CCBBs, esta só
tenha sido abraçada pelo do DF. Mas, palmas agora então
pro IMS que, atento à programação de outras
cidades e centros, contactou a produção da mostra
e conseguiu fazer esta esticada de parte dos filmes exibidos,
até o Rio de Janeiro. O carioca poderá ver 5 filmes
de Tarkovski em 35mm, e outros 4 de Paradjanov em projeção
digital. Aqui, vale um adendo: embora, é claro, este não
seja o formato original dos filmes, o IMS é um dos poucos
lugares no Rio a possuir um projetor digital com 2K de resolução,
o que garante uma projeção de bastante maior qualidade
que o que vemos, inclusive, no circuito comercial de arte. Além
disso, há que se desmistificar alguns purismos, como fomos
lembrados ao ver várias cópias belíssimas
em 35mm da mostra Ozu sendo exibidos com a janela errada no CCBB-RJ,
já que este não possui lente para o formato 1.37,
resultando em enquadramentos sempre truncados, quando não
verdadeiramente destruídos. Ou seja: a priori, vale
sempre a regra de que tanto melhor ver o filme em seu formato
de realização - mas há que se ver mesmo as
exceções, caso a caso.
(Eduardo Valente)
* * *
Começou no dia 03, no CCBB de Brasília,
a mostra Faroeste Spaghetti - O bangue bangue à italiana.
Como deixa claro o título, a seleção reúne 20 títulos (18 deles
em 35mm, dois em 16mm) do melhor produzido no western italiano
entre 1964 (com o seminal clássico Por Um Punhado de Dólares,
de Sergio Leone) e 1976 (com a obra-prima Keoma, de Enzo
Castellari). Além dos filmes já destacados, a mostra oferece a
chance de ver todos os cinco obrigatórios faroestes dirigidos
por Sergio Leone (os quatro últimos em cópias restauradas), assim
como Meu Nome é Ninguém, produzido por Leone e dirigido
por Tonino Valerii, além de destaques da obra de Sergio Corbucci
(Vamos Matar, Companheiros; Django), Damiano Damiani
(Uma Bala para o General, também conhecido como Gringo),
Sergio Sollima (O Dia da Desforra) e Gianfranco Parolini
(Sartana), entre outros. O catálogo da mostra é editado
por este que vos escreve, e também traz textos dos cinéticos Filipe
Furtado, Francis Vogner dos Reis e Rodrigo de Oliveira. Em sequência,
a mostra segue para São Paulo e Rio de Janeiro, nos CCBBs
locais. Confira no site
da mostra todas as datas, programação por cidades, e outras
info relacionadas.
(Fábio Andrade)
* * *
O leitor atento sabe que, como
podemos ver na nota acima, ou na logo abaixo, damos muito valor
aos eventos que não só fazem esforços de produção realmente descomunais
para trazer ao Brasil alguns dos principais filmes de qualquer
história do cinema (muitas vezes pouco vistos – quando não completamente
inéditos), como o fazem respeitando os formatos originais com
que estes filmes foram realizados – ou ao menos o mais próximo
que se pode chegar deles. Não se trata apenas de um purismo, mas
de uma constatação dupla: primeiro, de como a projeção em película,
principalmente com os ainda precários equipamentos digitais disponíveis
em nossas salas “de arte”, atinge resultados inegavelmente superiores
e fiéis às obras; como principalmente de que o hábito da exibição
indiscriminada de cópias em DVD ou afins termina por esvaziar
a freqüência dos próprios cinemas a longo prazo, uma vez que hoje
quase todos estes filmes são acessíveis (mesmo que por vias “irregulares”),
resultando muitas vezes melhor vistos numa boa TV em casa.
No entanto, toda regra sempre terá a exceção, e não é por acaso
que consideramos que vale a pena destacar a realização da mostra
O Melhor de Russ Meyer, que ocupa os CCBBs de São Paulo
e Rio de Janeiro entre os dias 5 e 15 de agosto. Pois
a verdade é que, embora a mostra seja toda realizada em DVD, o
simples fato de uma instituição “de respeito” como o CCBB abrir
o espaço para uma obra tão incomum, geralmente considerada grosseira
ou simplesmente reduzida com o epíteto mal usado do “trash”, emprestando
a ela um espaço diferente dos guetos do “underground” já gera
em si um gesto potencialmente interessante. Claro que poderíamos
questionar porque Ozu (que ocupa, por exemplo, a sala principal
do Rio em película, enquanto Meyer vai para a sala alternativa
em DVD) mereceria tratamento diferenciado do dado a Meyer, mas
parece mais proveitoso do que pedir equanimidade neste momento,
perceber a importância desta rara pequena brecha aberta no que
se costuma considerar o “grande cinema” exibível em centros culturais.
Dar a Meyer este espaço é dar reconhecimento à importância ampla
do seu cinema que, nas palavras do curador João Juarez Guimarães,
influenciou gente como “Almodóvar, John Waters e Tarantino ; ou,
no Brasil, Carlos Reichenbach e Ivan Cardoso; alcançando ainda
a música (Sex Pistols), a fotografia (Helmut Newton, Richard Kern),
a moda (Jean-Paul Gauthier e Thierry Mugler, com seus figurinos
de inspiração sadomasoquista) os e quadrinhos (Robert Crumb)”.
A ele, então.
(Eduardo Valente)
Julho 2010
Nos últimos meses esta
coluna ficou um tanto desatualizada, e por isso pedimos desculpas
a alguns eventos muito interessantes realizados em diferentes
pontos do Brasil, inclusive alguns menos usualmente afeitos a
mostras de porte, como Porto Alegre ou Belo Horizonte. Esperamos
retomar de vez os trabalhos por aqui, algo tão mais interessante
por acontecer em torno de um dos mais importantes eventos do calendário
nacional de mostras de cinema, em alguns anos.
É fato que já faz alguns
anos que o CCBB vem firmando uma seleção de mostras invariavelmente
focadas (embora não só) em
autores. Nos últimos anos, Alain Resnais, Chantal
Akerman, Jacques Tati, Chris Marker, Robert Altman e Woody Allen
tiveram retrospectivas abrangentes (quando não completas) de suas
obras nas filiais do Rio, São Paulo e Brasília do centro cultural,
além de iniciativas localizadas terem apresentado recentemente
filmes, por exemplo, de Andrei Tarkovski e Arne Sucksdorff (ambas
apenas em Brasília). Embora a oportunidade de ver toda a obra
de um cineasta em conjunto seja sempre fortuita, é provável que
em nenhum caso ela seja tão vital quanto no de Yasujiro Ozu, cineasta
japonês que tem em Emoção e Poesia: o Cinema de Yarujiro Ozu
uma mostra "completa" – e as aspas só são necessárias
por 19 dos 54 filmes creditados a Ozu estarem desaparecidos –,
já passada pelo CCBB-SP, e que chega agora ao CCBB-RJ,
entre 27 de julho e 22 de agosto (a programação
completa e alguns dos textos escritos para o evento podem ser
vistos no site
oficial da mostra).
Em primeiro lugar, isso se dá por Ozu ter construído
um universo cinematográfico de notável peculiaridade, que ganha
em intensidade e contraste na exibição conjunta dos filmes. E
em segundo, pela exibição dos 35 filmes restantes (todos em película,
16mm ou 35mm) favorecer a percepção de Ozu como um cineasta da
contingência, registrando os efeitos da passagem do tempo não
só no núcleo familiar que protagoniza a maior parte de seus filmes,
mas também no corpo dos atores – normalmente presentes em mais
de um filme – e no próprio refinamento de seu estilo. Embora as
marcas do tempo percam um pouco de sua força na exibição dos filmes
fora da ordem cronológica de produção, a mostra é uma chance inestimável
de se embrenhar em uma das obras mais rigorosas e impactantes
da história do cinema. Esse impacto, inclusive, poderá ser comprovado
na exibição de alguns filmes recentes assumidamente influenciados
pelo cinema de Yasujiro Ozu – entre eles, os essenciais 35
Doses de Rum, de Claire Denis (35mm) e Cinco Dedicados
a Ozu, de Abbas Kiarostami (originalmente realizado em vídeo).
Por tudo isso, Emoção e Poesia: o Cinema de Yasujiro Ozu é,
desde já, o evento cinematográfico do ano.
(Fábio Andrade)
Março 2010
Depois de escrever o pequeno artigo logo
abaixo deste, não deixa de ser interessante termos três
novos eventos ocupando diferentes espaços em cidades pelo
país e nos fazendo recolocar em questão alguns dos
assuntos de que tratamos.
É o caso, por exemplo, da mostra Faça Você
Mesmo - O Novo Cinema da Malásia, que está Caixa
Cultural - RJ desde 16 até 28 de março.
A mostra exibe 14 logas e 3 curtas realizados neste país
do Sudeste Asiático que talvez menos atenção
tenha recebido no Brasil e no mundo nos últimos anos, até
por não ter um cineasta de ponta como são considerados
o tailandês Apichatpong Weerasethakul, os filipinos Brillante
Mendoza e Raya Martin ou Eric Khoo, de Cingapura. Esta é
justamente uma das coisas que faz a mostra mais interessante,
o fato de fugir do recorte estritamente autoral, apresentando
uma idéia de geração. Geração
esta, aliás, que é marcada pelo uso do formato digital
(como deixa inferir o título do evento), o que garante
à mostra uma possibilidade mais simples de exibir os trabalhos
como eles foram criados. Mas, é bom que se diga, a mostra
(que segue para São Paulo, onde ocupa o Cine SESC
entre 25 de março e 1º de abril) não
se limita a exibir os filmes, e trouxe ao Brasil dois cineastas
malaios (Amir Muhammad e Woo Ming Jin) para acompanhar os filmes
e discuti-los com o público brasileiro. A programação
completa está no site
do evento.
Mostrando que volta a apostar com força em eventos diferenciados
e únicos, antes da mostra malaia chegar por lá o
Cine SESC recebe entre 18 e 25 de março uma
nova parada da mostra Zona Livre, sobre a qual já
falamos aqui no mês passado. O grande diferencial em relação
ao evento no Rio, porém, é que o formato mais enxuto
privilegia desta vez os formatos originais dos filmes, exibindo
os mesmos 3 filmes que haviam passado em 35mm (entre eles, o mais
que interessante All About Lily Chou-Chou), e mais dois
pensados desde sempre em digital. Além deles, há
o ganho da exibição no 35mm original dos dois filmes
do cineasta americano Cory McAbee, que esteve no Rio acompanhando
sessões de seus filmes, e protagonizou um debate bastante
interessante. Que esta casa paulistana ajude a dar força
à mostra originária de Porto Alegre para existir
cada vez em melhores condições - leia-se aí,
com respeito ao formato original dos filmes.
Finalmente, o CCBB-DF investe na relevância histórica
de exibir no Brasil o raramente visto trabalho de um cineasta
sueco com enorme relação com o Brasil, como indica
o subtítulo da mostra Arne Sucksdorff - O Sueco do Cinema
Novo, que ocupa o espaço brasiliense entre 16 e
24 de março. Sucksdorff foi um cineasta ganhador de
alguns dos principais prêmios de cinema pelo mundo (inclusive
um Oscar de melhor documentário), cuja relação
com o Brasil se deu a princípio por cursos técnicos
nos quais acabou trazendo alguns equipamentos fundamentais para
o cinema nacional dos anos 60, e depois com um casamento que o
trouxe de maneira mais permanente para o país. A mostra
exibe seis longas, um média e sete dos curtas realizados
por ele entre Brasil, Suécia e Inglaterra, passando todos
eles em película (com exceção de um). É
um evento a não se perder, cuja programação
completa pode ser vista no site.
(Eduardo Valente)
* * *
Quando esta seção foi criada na revista,
a idéia nunca foi simplesmente reproduzir releases de mostras
e eventos audiovisuais, servindo como um mural de acontecimentos,
mas sim chamar a atenção para algumas das muitas que acontecem
hoje em dia pelo Brasil, dentro de uma visão bem pessoal de quem
escreve a nota do porquê esta ou aquela mostra é interessante.
Também era nossa vontade refletir um pouco, ao fazer esse trabalho,
sobre algumas questões que a produção destas mostras colocam em
pauta por aqui. Nesse sentido é que a sequência de algumas mostras
recentes ou em exibição nos permite aqui tratar de um assunto
para além delas, que é a questão da exibição de filmes em cinemas
e sua relação com a ideia mesmo do que é ou não aceitável nesse
momento de plena transição da película para o digital.
Neste
momento, por exemplo, três mostras dedicadas a obras de cineastas estrangeiros
ocupam os espaços de exibição alternativos cariocas. No Instituto Moreira Salles,
entre os dias 5 e 21 de março, está sendo organizada uma mostra com 15
longas do polonês Andrzej Wajda. Embora não seja uma retrospectiva completa,
é uma mostra que cobre os principais títulos da carreira do diretor, incluindo-se
aí O Homem de Ferro, O Homem de Mármore e Cinzas e Diamantes,
para ficarmos em três títulos. Dos 15 títulos da mostra, 9 passam em 35mm e 6
em digital, sendo que cada um dos formatos está devidamente identificado aqui.
O IMS começou há menos de um ano a funcionar como sala de repertório, seguindo
um modelo francês do termo, propondo mostras e sessões especiais com curadoria
própria. Para isso se utiliza em grande parte das coleções de filmes existentes
no Brasil (limitadas, mas em casos como o de Wajda, melhor fornidas), e exibe
em digital com um projetor 2K de ótima qualidade. Já os centros
culturais preferiram focar neste momento a obra de cineastas pouco conhecidos/vistos
no Brasil, criando assim o que seria uma boa dinâmica. É o caso da mostra dedicada
à cineasta alemã Monika Treut, que está no CCBB-Rio entre 2 e
14 de março (seguindo depois para SP entre 10 e 21 de março). Se Treut
não é exatamente um nome decisivo no cinema mundial, ainda assim inegavelmente
tem sua importância relativa a questões como a da identidade sexual. A mostra
segue a tendência recente no CCBB (particularmente o carioca) de focar-se na obra
completa de um(a) cineasta (neste caso, composta de dez longas e quatro curtas),
e exibe praticamente todos os filmes em 35mm – sendo que a maior parte das exceções
são filmes realizados diretamente em vídeo. Algo bem distinto, portanto, do que
aconteceu recentemente com a mostra de filmes do japonês Nobuhiro Suwa
na Caixa Cultural. Ainda que Suwa seja nome hoje muito mais central na
cinematografia mundial, a mostra limitou-se a exibir em DVD quatro de seus cinco
longas (mesmo anunciando-se completa no seu trabalho ficcional). A
partir daí colocam-se, então, alguns problemas. O primeiro deles é que, embora
a passagem majoritária para o digital seja uma realidade incontornável no panorama
do cinema, há digitais e digitais. E nem o projetor do CCBB nem o da Caixa Cultural
podem exatamente serem considerados modelo de projeção no formato. O que se tem
ali não atende a qualquer critério minimamente rigoroso de qualidade de projeção,
tornando ainda mais problemático o fato de se passar filmes originalmente pensados
em outros formatos como o 35mm (mas mesmo os filmes em digital não têm sua melhor
exibição). Outro problema é que há inúmeros formatos de lançamento dos filmes
em digital, e o simples ato de conectar um DVD a um projetor de baixa qualidade
é certamente o pior deles. Finalmente, há que se considerar que filmes como os
de Suwa hoje estão disponíveis na web com qualidade de DVD para pessoas baixarem
e verem em casa. Assim sendo, qual o sentido real de mostrá-los num projetor fraco
numa sala de cinema? A idéia de que este ato coloca o espectador em contato com
a obra de um cineasta desconhecido é nobre, mas a que custo? Mal comparando, seria
como uma instituição cultural destas anunciar a retrospectiva de algum pintor,
e colocar na parede apenas reproduções em fac-símile dos seus trabalhos. Interessante
como esta hipótese seria considerada absurda por qualquer destes espaços ao falar
em artes plásticas, mas o mesmo não se aplica ao cinema, não? E
já que falamos em custo, entra aí o segundo ponto complicado: tanto o CCBB como
a Caixa Cultural trabalham com editais de ocupação do seu espaço. São escolhidos
uma série de eventos para ocupá-los, os quais são organizados com orçamentos pagos
pelas entidades. No entanto, nós estamos vendo da parte dos produtores culturais
(e mais ainda dos centros) uma falta de critério total sobre o que constitui de
fato uma mostra digna deste nome. Pois a mesma Caixa Cultural que produz eventos
totalmente exibidos em DVD de obras não produzidas em digital, como foi o caso
da mostra de Suwa ou da exibição de alguns filmes de Maya Deren no ano passado,
é a que também nos deu em 2009 uma retrospectiva quase completa em película das
obras de Marguerite Duras, (muito mais numerosas que as de Suwa); ou uma mostra
de parte mais que relevante dos trabalhos de Stan Brakhage exibidos em seu formato
original (16mm), com a presença do responsável americano pela difusão da mesma,
comentando e apresentando cada sessão dos filmes. A impressão
que fica, no fundo, é que para a Caixa às vezes não importa muito o que é feito
em termos práticos, mas tão somente ocupar o seu espaço, ficando a critério dos
produtores estabelecerem o seu próprio conceito do que é ou não aceitável. Sabemos,
diga-se, que na maioria das vezes o dinheiro oferecido pelas instituições para
a organização dos eventos simplesmente não é suficiente para trazer obras de outros
países no seu formato original (questão maior na Caixa do que no CCBB, até por
este último contar com mais de um centro pelo Brasil, que às vezes dividem os
custos dos eventos). No entanto, se é este o caso, ficam duas perguntas, uma para
produtores e outra para as instituições. Para os produtores, que no geral sabem
bem o quanto se está pagando atualmente pelas mostras: não seria melhor pensar
eventos que efetivamente caibam nos gastos, para realizar mostras relevantes e
com adequação às obras que foram produzidas? E para os centros culturais: não
faria mais sentido, talvez, organizar menos eventos, com maior qualidade de realização?
Sim, porque sem dúvida há um público disposto a sair de
casa para ver DVDs projetados sem maior qualidade. E é plenamente válido que os
centros culturais supram o interesse deste público, e assim ocupem os seus espaços,
até mesmo na maior parte do ano (afinal, a própria Cinemateca do MAM faz isso
hoje – só que, e a diferença é grande nisso, anunciando bastante claramente o
suporte de exibição que usará). O CCBB-Rio, por exemplo, ocupa no momento seu
cinema 2 (um nome novo pro que continua sendo sua antiga “sala de vídeo”) com
uma mostra de nome Mulheres Alucinadas, apenas com filmes exibidos em DVD/VHS
– mas anunciados como tal, exibidos com entrada franca e todos disponíveis em
coleção particular ou no mercado no Brasil. Ou seja, a mostra está ocupando a
sala e dando retorno a um público, mas certamente é organizada a custo ínfimo
– permitindo talvez que mais recursos sejam direcionados para ocupar a sala 1
com uma mostra significativa como a de Treut, ou as retrospectivas completas em
película organizadas em anos recentes de obras numerosas como as de Resnais, Altman
e Woody Allen. A questão final parece ser a da necessidade de pensar com inteligência,
e acima de tudo respeito às obras, maneiras de otimizar os recursos que se tem
em mãos, para assim ocupar espaços, comunicar-se com os públicos distintos, mas
também ser relevante de fato no aspecto cultural/cinematográfico. (Eduardo
Valente)
Fevereiro 2010
Começou ontem, dia 9 de fevereiro, e continua
até o dia 28 deste mês, no CCBB-RJ, a mostra Zona Livre,
cuja programação recheada de informações sobre os filmes pode
ser vista aqui. Extensão de uma seção do festival portoalegrense Cine Esquema
Novo, a mostra representa um sopro mais que bem vindo de novidades no calendário
regular (torcemos, pelo menos) de eventos de cinema, representando uma alternativa
às curadorias pouco focadas dos gigantes do gênero (Festival do Rio, Mostra de
SP). Mas, além de trazer filmes a que estes não deram atenção, o mais legal é
mesmo como a mostra sinaliza de várias formas para um novo tempo da cinefilia,
já que sua curadoria é quase toda feita e pensada através do acesso a uma série
de títulos pela internet – provando que hoje pessoas como seus jovens curadores
Bruno Carboni e Davi Pretto podem conhecer o cinema internacional profundamente
sem viajar pelo mundo nem ser refém das escolhas de distribuidoras ou selecionadores
dos festivais tradicionais. O movimento que a mostra faz, porém, de pegar estes
filmes vistos (e, portanto, disponíveis) na web e fazer questão de trazê-los para
uma sala de cinema deixa claro que a internet não precisa matar o cinema – muito
pelo contrário. Na abertura da mostra, um outro
exemplo de inquietação e criatividade: na impossibilidade de trazer seus convidados
internacionais, foi organizado um debate via Skype com o diretor Harmony Korine,
cujo recentíssimo Trash Humpers havia sido exibido. O debate, além de funcionar
perfeitamente na parte tecnológica (com tradução simultânea, imagem do diretor
na tela do cinema, etc), permitiu uma curiosa sensação de conversar com um artista
literalmente “na casa dele”, o que cria uma série de bem vindos ruídos no tradicional
modelo de debates, permitindo uma imersão no universo do cineasta para além do
filme em si. Haverá outros dois debates semelhantes na mostra, e esta é desde
já uma dessas idéias que sabemos que vai ficar. A lamentar somente o fato de que
a maior parte dos filmes será exibido em DVD (só 3 passam em 35mm – embora alguns
não tenham a película como formato final, de qualquer jeito, como o filme de Korine,
filmado e editado em VHS), nos projetores nem tão incríveis assim do CCBB. No
entanto, além de ser algo compreensível para uma mostra que realiza sua primeira
edição com orçamento limitado, é preciso ser notado que pelo menos a mostra não
esconde essa informação, e diz qual o formato original e de exibição de cada filme
de forma bem clara – ao contrário de alguns dos seus primos mais ricos. De qualquer
maneira, este fato (que torcemos possa ser minorizado em anos futuros) não diminui
a importância dos vários gestos políticos compreendidos na realização deste evento
que começa o ano com o pé direito no Rio. (Eduardo
Valente)
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