in loco - cobertura dos festivais
Porque não escreveremos sobre Raul Ruiz Ou:
O "problema digital", de novo??? por
Eduardo Valente Triste a sensação de voltar
a escrever sobre o tema da projeção digital nos grandes eventos de cinema brasileiros,
principalmente porque repisamos argumentos que já vimos que são inócuos como causadores
de resposta. No entanto, não dá para não fazer aquilo que é o mínimo que nos cabe
como amantes do cinema antes de tudo, e responsáveis pela cobertura de um evento
em segundo lugar, quando somos sujeitos a algo como o que vimos nesta segunda,
27/10, no Arteplex 3. Estava programada uma sessão do novo filme de Raul Ruiz,
nome que, se certamente não é nenhum arrasa-quarteirão de público, levou uma quantidade
razoável de espectadores bem informados para o cinema no horário das 21h50.
Quando
começa a suposta projeção de Nucingen Haus, o que surge na tela é um arremedo
de imagem: chuviscos, nenhuma definição, fantasmas (e não nos referimos aqui às
entidades prometidas pela sinopse do filme). Poderíamos ainda adicionar elementos
ao horror completo, como a falta de som ao longo de dolorosos cinco minutos antes
do projecionista cortar a projeção, ou a clara inadequação de formato entre o
que se exibia na tela e o filme em si (denunciada pelo corte no meio das legendas
em inglês). Supondo que estes erros mais patéticos seriam consertados em alguns
minutos (o que não ficamos para conferir, e não perdoa a organização pois a adequação
de formato e ajuste no som são obrigação mínima da sala), o que não poderia ser
mudada era a qualidade lamentável da cópia que seria apresentada: algo que lembrava
muito uma gravação em VHS que fizéssemos da CNT Gazeta nos anos 80/90.
É
por essas e outras que quando a Mostra anuncia em sua coletiva de apresentação
que 200 a 250 de suas projeções serão em digital, porque “essa é uma tendência
incontornável do cinema mundial”, não dá para levar a sério. Porque se é sim uma
tendência rodar filmes em digital, e cada vez mais fazer cópias finais em digital,
isso não significa que não sejam, em sua maioria, filmes feitos com muita seriedade
e preocupação com sua imagem, que passam muitas vezes por processos de captação
cuidadosos, posterior marcação de luz e afins e que, independente se projetados
ou realizados em digital ou película, possuem ambições estéticas e artísticas
enormes. Por isso quando vamos a um festival como Cannes, e sabemos que um filme
será projetado em digital, isso não é impedimento artístico nenhum, porque se
teremos algo que ainda é diferente do que é a imagem em película, não temos algo
inferior, e sim pensado em outro formato, tão digno e importante quanto. Já
o que temos visto muitas vezes ainda lado aqui, é a simples economia do cinema
em ação: masters vagabundas exibidas em projetores de baixa definição, não ajustados
para o específico da sala onde são passados e da cópia do filme que se tem em
mão. Como resultado, vemos seguidos abortos à idéia mesmo do que é exibir um filme,
como vimos nesse caso citado, mas também com Um Amor de Perdição nesta
própria Mostra, com Still Life no caso clamoroso de dois anos atrás, com
Ninguém Pode Saber ou Contra a Parede em Mostras passadas,
ou mesmo com Um Conto de Natal no recente Festival do Rio - para ficarmos
nos casos com filme de repercussão maior.
Não cairemos no erro
tolo de dizer que “é um absurdo cobrar os mesmos 18 (ou 13 ou 14) reais para ver
algo assim”, porque não se trata de levar para o lado econômico, como se isso
tudo pudesse ser justificado numa projeção gratuita. Não importa o que se cobra
ou não: isso é um absurdo e pronto. Está se usando um discurso supostamente progressista
(“o futuro é digital”) para se vender um produto de segunda qualidade, que não
equivale nem ao que foi produzido pelos artistas criadores nem ao que a tecnologia
de projeção poderia prover ao espectador com os devidos equipamentos, cuidados
e ajustes mínimos. Afinal, é esse o momento que deveria importar num festival
de cinema: a projeção dos filmes ao espectador. O resto é fru-fru, é complemento,
é extra. Depois o espectador fica em casa baixando filmes na internet e são os
mesmos responsáveis que ficam chorando as pitangas. Pois, que fique clara a posição
desta revista: mais respeito pelo cinema tem quem prefere ver em casa, mesmo que
na ilegalidade, algo que se aproxima da obra originalmente concebida. *
* * Esclarecimento importante: ninguém aqui está dizendo
que não há uma enorme importância no trabalho de uma Mostra de SP ou de um Festival
do Rio, eventos que frequentamos e cobrimos não por acaso: afinal, com todos os
poréns que possamos ter com suas opções pelo gigantismo acima de qualquer noção
real de curadoria, inegavelmente eles ainda trazem uma quantidade enorme de filmes
do mundo inteiro que ficariam inéditos para nossos olhos, seja em cópias em película,
ou em um digital em condições minimamente decentes, ao receber masters de qualidade
mínima e com os devidos ajustes na projeção. No entanto, é preciso ficar claro:
acontecimentos como estes narrados acima não estão na quantidade ínfima de algo
que poderíamos chamar de “exceções absolutas”, e nem podem mais ser justificados
por um desconhecimento a esta altura do andamento do mundo digital.
Se
o master não tem qualidade mínima (como foi visto em todos esses casos), ele precisa
ser recusado e o filme ter suas exibições canceladas previamente. Se o equipamento
não tem a qualidade ou não pode ter pessoal disponível para ajustes e testes necessários,
ele não pode ser usado. Isso sim é o mínimo que se espera de quem respeite totalmente
o que é o cinema, seja ele digital ou como for. Enquanto isso não acontecer, e
se continuar a se vender constantemente gato por lebre (filmes feitos para serem
exibidos em película sendo vistos em arremedos digitais sem definição, filmes
realizados mesmo que em digital sendo exibidos com qualidade de VHS), não se poderá
considerar totalmente séria esta opção pelo digital, da parte de todos os envolvidos
(cinemas, empresa de exibição, festivais, distribuidores). É jeitinho, nem mais
nem menos. E que a maioria do público não se dê conta disso,
só torna ainda mais grave o fato. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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