in loco - curta cinema 2009
Nova Cena Cearense: ocupar a pólis por
Cezar Migliorin 5
de novembro de 2009, 21h30. Logo em frente ao palco do Cine Odeon, no Rio de Janeiro,
pouco mais de uma dezena de jovens cineastas do Ceará ocupa a cena para apresentar
sete curtas-metragens realizados nos últimos três anos em uma sessão com o sugestivo
nome de “Nova Cena Cearense”. Entre o mato e o concreto, os filmes são fortemente
marcados pela forma como os cineastas interrogam a cidade e a cultura. Com frescor,
os curtas se perguntam como estar em Fortaleza, como habitar essa cidade que se
transforma em uma velocidade a-histórica, como estar nesse lugar em que sair é
uma questão colocada a todos. No Odeon, junto à alegria dos cineastas, o cinema
contagia pela sua dupla dimensão; enraizadora e conectiva. Tão diferentes entre
si, os filmes são atravessados pelo desejo do lugar em que estão. Fortaleza não
é o lugar que se deixa nem que se lamenta, mas a cidade que se enfrenta, que se
admira e que se inventa. É esse desejo que funde cinema e forma de ocupar a cidade
– política. Eis o que move os trabalhos.Por
vezes o enfrentamento é explicito, como em Vista Mar (foto), uma criação
coletiva ligada a um projeto de formação na Vila das Artes. Com ironia e humor
(além de uma certa agressividade) o filme se coloca no centro da especulação imobiliária
e dos empreendimentos com 5 vagas na garagem. As Vezes é Mais Importante Lavar
a Pia do que a Louça, ou Simplesmente Sabiaguaba, dos Irmãos Pretti, cariocas
radicados no Ceará, é o outro verso de uma outra moeda.... – na mesma cidade.
A vida largada em um lugar paradisíaco, a 20 minutos do centro. Curiosamente,
Sabiaguaba esteve também presente no belo Cidade Desterro, de Glaucia Soares,
apresentado no mesmo dia na Caixa Cultural, este com a cidade como tema central;
casas, ruas, lugar para deixar e voltar. A
Curva, de Salomão Santana (foto) traz a cidade no rosto de pessoas entediadas
em uma festa do final dos anos 80 – talvez. O cineasta trabalha com found footage
caseiro, restos de filmagens banais. Sem construir uma narrativa, Salomão consegue
criar uma atmosfera muito própria, com a cidade presente na estética e nos olhares.
Assim como em A Curva, o som e os cortes secos são decisivos em Flash
Happy Society, de Guto Parente, recentemente premiado em Porto Alegre e Recife:
menos um problema da cidade, é de uma cultura global e banal, de flashes e fotos,
que o realizador extrai uma musicalidade e inventa uma epifania. Já Miúdos,
de Pedro Diógenes poderia estar acompanhado de outro filme cearense que infelizmente
não estava na sessão, Rua Governador Sampaio de Victor de Melo. Nesses
dois curtas, exemplarmente montados, a cidade é vista com um olhar afetivo e por
quem a conhece por dentro. Um olhar atento e generoso, mas sem concessões a uma
harmonia artificialmente construída. Há
uma cidade que está em jogo nesse cinema, uma política que atravessa o longo trabalho
do Alpendre, da Universidade Federal e das políticas públicas – da Vila das Artes
ao DocTV. Vale lembrar que nos últimos anos saíram do Ceará importantes documentários
como Sábado a Noite, de Ivo Lopes, Vilas Volantes: o Verbo contra
o Vento, de Alexandre Veras e Uma Encruzilhada Aprazível, de
Ruy Vasconcelos. Com Fortaleza e com o cinema não há lua de mel possível, apesar
do amor. O problema é a presença, a insistência, o estranhamento de um homem que
circula com uma gigantesca máscara de Mickey triste, a ocupação estética. Não
é por acaso que o filme de encerramento a sessão do Odeon, Longa Vida ao Cinema
Cearense (foto), também dos irmãos Pretti, termina com jovens andando pelas
ruas da cidade, uma longa caminhada que, mais que uma metáfora, é a própria ocupação
de um espaço. Novembro de 2009
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