Caro
Senhor Horten (O'Horten), de Bent Hamer (Noruega/França/Alemanha, 2008)
por Eduardo Valente No
seu modesto melhor
Bent Hamer, já sabemos a essa
altura (tendo visto seus filmes Ovos, Histórias de Cozinha e Factotum),
não é um cineasta de quem devemos esperar vôos especialmente altos. Se ele conseguiu
cavar para si um improvável espaço no panorama internacional dos “autores de cinema”
com seus filmes quase sempre em tom menor, o fez sempre dentro de um esquema um
tanto confortável e domesticado (mesmo quando, paradoxo maior, adaptava Bukovski),
que parece respeitar regras bem claras: personagens “diferentes” (quirky,
diriam os americanos), mas sempre imediatamente simpáticos aos olhos do público;
humor agridoce sem maiores mergulhos nem na comicidade aberta nem nas dores da
vida; narrativas marcadas por um constante formato episódico, nas quais não mergulhamos
nunca numa espiral dramática maior, ficando num confortável e constante ritmo
plácido de observação. Dentro deste quadro geral, seu novo filme, Caro Senhor
Horten, traz muito poucas (ou seria mais exato dizer quase nenhuma) alterações.
E, ainda assim, é de longe o seu melhor trabalho. Os dois
principais motivos para isso são bastante claros. O primeiro é o desempenho do
protagonista, Bard Owe, no papel-título. Com sua máscara quase imutável em cena,
ele constrói um personagem que transita curiosamente entre a reiteração de um
estereótipo (o do homem que, à beira da aposentadoria, acaba sendo forçado a repensar
toda sua regrada vida) e o mistério absoluto: face a algumas das mais absurdas
situações, ele mantém a mesma (com)postura, nos intrigando cada vez mais a tentarmos
entender ou nos relacionarmos com o que, no final das contas, move este homem.
O segundo motivo para a força do filme vem do acima citado mergulho no absurdo
que Hamer abraça aqui. Caro Senhor Horten é um filme que funciona de maneira
bastante inesperada dentro de um registro que nunca foge ao realismo mas também
parece sempre estar um passo (ou mais) além dele. Se o registro em si não chega
a ser novo no cinema de Hamer (e em boa parte do cinema nórdico mais irônico,
como o de Roy Andersson e alguns outros), impressiona o acerto em conseguir levá-lo
a cabo com um inegável talento de composição de quadro e trabalho de cenografia. Finalmente,
é preciso que se faça menção à melancolia não-conformada com que Hamer consegue
preencher o seu filme. Se pode-se, e talvez até deva-se, fazer ressalva a algumas
soluções fáceis demais (no uso da trilha, nas piadas, nos momentos “fofinhos”),
o que não se pode negar é que possuem impacto os seguidos encontros do personagem
(num formato de odisséia que lembra um pouco Depois de Horas, embora não
se passe em uma só noite) com índices da inevitabilidade da passagem do tempo
e da chegada da morte. Tanto cenas mais dó de peito (como a do aeroporto, da visita
à mãe no asilo ou a longa noite na casa do diplomata-inventor) como momentos pequenos
como o da loja de cachimbos ou a noite na pensão ressoam bastante, sendo seguramente
exemplos do melhor cinema que Hamer já realizou. Um cinema de ambições modestas,
mas que, como fica comprovado aqui, pode atingir resultados agradáveis e até fortes. Outubro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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