O
Magnata, de Johnny Araújo (Brasil, 2007)
por Francis Vogner dos Reis No
compasso do slogan
O Magnata tem um apelo
que se não é inédito, é raro: é um filme de popstar que não é ancorado à figura
do artista pop à frente das câmeras (como os filmes de Roberto Carlos – ou mais
recentemente, no âmbito internacional, os filmes com Eminem e 50 Cent), mas também
não é uma cinebiografia tais como as de Zezé de Carmargo e Luciano ou Cazuza.
O filme dirigido por Johnny Araújo se realiza a partir da cristalização do imaginário
do vocalista e líder da banda Charlie Brown Jr, Chorão, e estampa essa “autoria”
logo nos créditos iniciais que coloca um “escrito por Chorão” em último, logo
após o “direção de Johnny Araújo”. O crédito não especifica se a escrita se deu
em um roteiro ou um argumento, porque se assim fosse, certamente hierarquizaria
as funções, relegando o cantor a um segundo plano no processo criativo logo atrás
do diretor. Portanto, dizer este é “o filme do Chorão” não é de todo errado, já
que em princípio o projeto tem um sólido vínculo com o cantor como personalidade
central. Como o filme não foi realizado a partir da figura
imagética de Chorão, a premissa foi a de se fazer em torno da visão de mundo do
cantor, de ratificar sua posição de porta-voz de uma geração, mas também de educador
moralizante para seu público adolescente, algo que geralmente faz nas suas músicas
que se pretendem mais “conscientizadoras”, que protestam ao reclamar que não é
verdade quando dizem que “o jovem não é sério”, ou que refletem diferenças sociais,
quando falam (em primeira pessoa) sobre romances entre meninas ricas e skatistas
pobres e, importante, afirmam que prosperou na vida às próprias custas. O Magnata
seguirá esse tipo de raciocínio – inclusive com o próprio Chorão dando uma lição
de moral em um personagem lá para a parte final – só que ao invés do protagonista
ser um alter-ego de Chorão, será o exato oposto da figura auto-apregoada pelo
vocalista do Charlie Brown Jr: um playboy que sempre teve de tudo e que não vê
limites pra sua curtição, ignora quase completamente o certo do errado, esbanja
e se excede. Para Johnny Araújo e Chorão parece que os slogans
são o que há de mais importante no filme, sejam eles a promoção de um certo estilo
de vida ou de uma mensagem mais especifica, que é ratificada sobretudo pela “consciência”
do protagonista (interpretada por Marcelo Nova). Essa consciência nos avisa de
início que a falta de limites do roqueiro magnata o levará a perder tudo o que
tem e que irá conseguir. O que desencadeia o conflito do protagonista é o roubo
de uma Ferrari por pura curtição: o magnata se safa e o amigo é preso. Por causa
disso, um grupo de criminosos pedirá dinheiro ao playboy para pagar a fiança.
Como ele pode tudo, negará o dinheiro e colocará em risco sua nova namorada, interpretada
pela atriz (de talento e beleza acachapantes) Rosane Mulholland. Na
primeira cena, já temos uma apresentação do personagem feita não sem alguma agilidade
e poder de síntese, de maneira muito interessante: o garoto rico e desajustado
apelidado de “Magnata” (Paulo Vilhena) anda pelas ruas de São Paulo em um carro
importado acompanhado de um pichador. Mostra a arma que conseguiu e os dois se
comunicam por meio de gírias, uma quantidade imensa delas, que constroem frases
às vezes incompreensíveis, sem concessão alguma para que o espectador não iniciado
no vocabulário entenda o que os personagens dizem. Esse
é um dos pontos potencialmente interessantes de O Magnata (apesar de resvalar
na caricatura pura e simples): busca, em uma chave falsamente naturalista, a descrição
de um universo a partir de como agem e falam os personagens. O problema é que
Johnny Araújo faz disso mais um repertório de imagens que, ao invés de procurar
se construir no que elas têm de mais elementar – no que diz respeito a caracterização
dos personagens e as relações com o seu habitat – parece mais ter o intento
de “vender” essa imagem de (falsa?) “maloqueiragem”. Ele não parece realmente
interessado na articulação mais estreita desses personagens com este mundo, mas
sim no choque epidérmico que a estilização das imagens pode conter. Até um diretor,
alvo de tantas paixões (de amor e ódio) como Larry Clarke, filma seus personagens
com interesse: sabe que tudo que passa à frente da câmera (armas, skate, drogas)
compõe um universo, e por isso, deve estar integrado à cena não como um fetiche,
mas como elemento cênico íntimo dos personagens. Se O
Magnata em alguma instância pode ser comparado a um videoclipe, não é por
causa das feias texturas verde-garrafa da fotografia – um tipo de convenção no
videoclipe brasileiro -, de uma plasticidade voluptuosa e extremamente artificial,
ou de sua fragmentação e rapidez, mas sim porque a todo momento parece fazer de
sua imagem algo que tenta nos vender alguma coisa: tenta nos vender que o magnata
é um playboy desajustado; tenta nos vender que ele é colocado frente a questões
morais; tenta nos vender que aquele universo de “doidera” é autêntico por costurar
elementos caros ao ideário de Chorão, como por exemplo, o basquete, o skate, o
grafite e o rock (como uma cena cultural e comportamental) – elementos que, cabe
dizer, existem, mas parecem mais imagens dispostas em um álbum de figurinhas.
Assim, se em um momento o filme parece comercial da Nike e em outro uma campanha
para o motorista não beber antes de dirigir, isso é realizado segundo o suposto
impacto dessas imagens, mas não como um inventário consciente dessa plasticidade
pop (como faz McG nos seus dois exemplares de As Panteras). Se
existem alguns pontos luminosos em O Magnata, estes se devem, em primeiro
lugar, à performance de Paulo Vilhena – que consegue trazer o mínimo de autenticidade
e vida a um personagem tão sacrificado pelos limites da caracterização redutora
que lhe é imposta. Um segundo ponto de interesse é sua proposta de ser um filme
de tema atual, de possuir um público-alvo certo (os adolescentes fãs de Charlie
Brown Júnior e MTV), buscar a abordagem de um cenário cultural de hoje (tanto
que os créditos são feitos pelos grafiteiros sensação “Gêmeos” e o filme tem a
presença de bandas como Dead Fish e Marcelo D2, além do próprio Charlie Brown
Jr) e ter a preocupação de contextualizar lugares como as cidades de São Paulo
e Santos – apesar disso tudo ser menos uma questão estética e mais a busca de
abordagem que dialogue diretamente com o seu tempo. O
Magnata tenta a seu modo falar de hoje, para um público de hoje, questões
de hoje, com uma abordagem de hoje (mesmo que uma tanto torta e grotesca), o que
o coloca no contraponto do também recente Podecrer!, de Arthur Fontes.
Essa atualidade não conspira exatamente a favor do resultado geral do filme de
Chorão e Johnny Araújo, mas lhe garante um mínimo de interesse. Dezembro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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