Os 3, de Nando Olival (Brasil,
2011)
por Raul Arthuso
A
publicidade convenceu
Em um texto sobre o filme Gêmeas,
Inácio Araújo apontava uma pergunta passível de ser formulada
pelo espectador que vê a obra: “afinal, este filme está anunciando
o quê?” Os 3 torna a pergunta obsoleta, pois agora está
claro: tudo está à venda – o que se toca, o que se beija, o que
se come, o que se lê, mas principalmente o que se vê. As imagens
não dizem nada, apenas vendem uma idéia – aqui, uma idéia de afeto
que se pretende ousada e um simulacro que se pretende mundo.
Os 3
parece estabelecer como definitiva a estética do “pack shot” (expressão
que se refere àquela imagem onde o elemento humano está ausente,
e se ajeita toda a imagem para um plano-detalhe hipercontrolado):
todo o filme é feito de uma superfície sedutora, bela, moderna,
fácil de abrir e de consumo rápido, pois de conteúdo rarefeito.
Logo na abertura do filme, uma narração em off afirma sobre
o encontro dos três personagens – uma bela jovem e dois rapazes
– como algo mágico, extraordinário, enquanto a imagem não filma
nada que se toque, que se sinta, algo que se veja. Há apenas o
efeito criado por uma imagem-fetiche de superfície e o recurso
da palavra. Depois, há a sugestão
do erotismo, já que o filme tem como núcleo central um
triângulo amoroso formado pelos três, agora melhores amigos, como
indica mais uma vez uma sequência de imagens desconexas que tentam
dar conta,
por meio da voz off, do “maravilhoso” período de quatro
anos vivido por eles. Para manter essa maravilha, que nem vemos
nem sentimos, eles se dispõem a serem trancados e observados
em uma casa onde tudo está à venda por um site de uma empresa
de publicidade. Eles começam a encenar suas vidas e fingir um
romance a três, com direito a um sexo grupal que nunca se concretiza,
mas é simulado para as câmeras que os filmam o tempo todo. Mesmo
o sexo a dois, ainda que sugerido, é interditado como imagem pregnante:
quando se trata de uma cena heterossexual, ela sempre termina
a portas fechadas, ou com uma bela luz de recorte de sombras que
esconde a sexualidade, quando não com planos que cortam parte
dos corpos para fora de quadro. Já as pulsões homossexuais são
sempre ganchos para piadas e estranheza.
O público, anestesiado com o efeito, segue em
frente, pensando na complexidade de uma relação que acontece apenas
como simulacro fajuto. Passa então a aceitar como normal um mundo-travesti
que suplanta o contato com o mundo de fato. O filme permanece
basicamente em dois espaços: a casa onde vivem os garotos e a
agência de publicidade, onde dois arautos envelhecidos comandam
o destino das personagens. O mundo externo entra no jogo apenas
como quantidades (dobros, triplos, máximo) que consomem no site
da empresa. Não chega a surpreender que o título do filme seja
grafado Os 3 com numeral, pois é este signo que rege o
mundo do filme: um símbolo que remete a uma idéia, mas que se
faz de idéia em si, escondendo a matéria a qual se refere. Afinal,
são 3 o que?
A
forte sugestão de fundo publicitário é a grande operação formal
do filme. Primeiro sugere-se como um filme ironia/discurso sobre
uma realidade midiática pós-reality shows. Porém, num reality
show existe uma relação intrínseca entre o confinamento e
a prisão, o que mantém viva a ideia de uma vida exterior àquele
simulacro. Aqui, por outro lado, o confinamento dos três é a própria
vida, é um mundo em si, negando o exterior. Sugere-se, então,
uma relação complexa da própria dramaturgia, uma visão irônica
das coisas. Só que a ironia pressupõe uma tensão entre o agente
e o objeto que, pelo operação do "ironista", acaba em
afirmação. Não é o caso aqui; não se afirma nada.
É um dizer que disse, apenas, evitando as tensões entre objeto
e o agente. Quando uma personagem “se revolta” e recusa o simulacro,
ele vai pra um mundo de fora onde só o que há a fazer é assistir
o dentro – e este mundo é filmado tal e qual o mundo da casa (mesmos
filtros e efeitos, mesma cenografia descontextualizada e anacrônica,
mesma mentira em suma).
Se há uma afirmação no filme, sua fonte é sintomática:
as pessoas envolvidas na agência de publicidade dizem o tempo
inteiro sua intenção e ideais. Regulam e afirmam, como fazem com
os três jovens da casa, deixando explicitada a mediação para em
seguida operar desta maneira. O caso mais evidente é o dos dois
velhos donos da agência. Suas cenas têm teor cômico, luz clara,
suave; cria-se simpatia com a defasagem deles em relação ao mundo
contemporâneo. Mas são eles que definem a história do filme, até
o momento apoteótico quando enumeram tudo que já aconteceu na
trajetória do trio (logo no filme), e propõem que aquilo acabe
logo, se fazendo um happy end – o que acontece em seguida.
Esse cinismo de aparências mostra a soberba dessa estética de
efeitos da publicidade em relação à construção cinematográfica,
como se o cinema fosse apenas construção (quantitativo, dominável),
e a publicidade fosse uma nova possibilidade, uma modernidade,
um "além do clássico". A publicidade já conquistou o
sistema de produção, depois se implantou sorrateiramente como
um pensamento estético, emulando um mundo que nos é exógeno, e
agora enfia goela abaixo essa realidade de plástico como um simulacro
da vida. Se a publicidade venceu, como afirmara o crítico Luiz
Carlos Oliveira Jr em
um texto, ela agora convenceu. E ri da nossa cara.
Julho de 2011
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