in loco - cobertura dos festivais
Oslo, 31 de Agosto (Oslo, 31. August),
de Joachim Trier
(Noruega, 2011)
por Pedro Henrique Ferreira

Reconciliação

O que há de proustiano na memória de Anders (Anders Danielsen Lie) quanto à cidade de Oslo é representado em imagens logo ao princípio do filme, pela narração de memórias individuais ligadas a certos espaços urbanos. O segundo longa-metragem de Joachim Trier, Oslo, 31 de Agosto, acompanha um dia na vida deste protagonista, quando lhe é permitido sair do centro de reabilitação para viciados em drogas para uma entrevista de emprego em sua terra natal. Mas este dia não será marcado pela nostalgia da infância ou pela promessa do futuro. Será um retrato da classe média na capital da Noruega, visto pelos olhos de uma figura melancólica que não quer se reconectar, que assiste ao drama burguês com distância e, por isto, caminha isolado do mundo. As imagens da cidade são retomadas nos minutos finais do longa-metragem. Mas, agora, são ambientes vazios e silenciosos, angustiantes, semelhantes às ruas no final de Eclipse, de Antonioni, que punha à mesa questões existenciais em algo análogas na sua época.

O que está em jogo em Oslo, 31 de Agosto, é o destino burguês na capital da Noruega, considerada uma das cidades com a “melhor qualidade de vida”, porém um índice altíssimo de suicídio. Em uma conversa com o amigo Thomas (Hans Olav Brenner), notamos o estilo de vida que a classe média desenvolveu – o bom emprego, o casamento, o filho – valores dos quais, Anders quer se afastar a todo custo, não sem um toque de cinismo. A narrativa se orienta por inúmeros encontros nos quais vemos cada vez mais o personagem central desprezar este mundo que se descortina à sua frente. E, na medida em que se afasta dele, procurando uma outra coisa, mais se isola e volta a tomar os mesmos caminhos que o levaram ao vício.

Ora, não há nada de especialmente novo no tema. Mas a direção minimalista de Trier leva Oslo, 31 de Agosto, a caminhos muito curiosos. Investe na dramaturgia, na atuação pouco expressiva, em algo autômato, mas ao mesmo tempo levemente triste, agressiva e cínica. A câmera segue suas ações, das mais significativas às mais banais, dos momentos mais reveladores aos mais triviais, de forma que enxergamos não somente este universo que é o ápice do sonho burguês, mas também o ser humano que ele criou, com muita vida. Por conta desta humanidade com que aborda seus personagens, podemos notar que as únicas diferenças entre Anders e os outros é a sua resistência, sua eterna recusa em fazer parte do teatro, e sua sinceridade absoluta consigo e com os outros, capaz de destrinchar vidas passivamente, demontá-las como se fossem um grande quebra-cabeça sem graça, o que faz com praticamente todos que encontra.

Por um caminho de descortinamento das contradições de Oslo, Trier nos guia a um desfecho de raro lirismo. Como que mecanicamente, Anders retorna, em um único dia, todos os vícios que abandonou e que lhe tornaram “um monstro”, um garoto mimado que fez besteira. O faz como se seguisse uma espécie de destino, um rumo que lhe é natural. Anders enxerga uma luz ao fim do túnel: vê a possibilidade de um emprego, a aceitação pelos amigos, o reencontro com familiares e, naquela que é a cena mais impressionante do filme, no lusco-fusco da manhã ao fim do dia 31 de Agosto, a possibilidade de um amor. Mas o personagem não quer de modo algum esta vida plena. Prefere voltar as costas para ela em procura de outras coisas. Quer os encontros sem futuro. As pequenas epifanias que surgem na madrugada do grande nada à sua volta. De certa maneira, é esta a sua grande reconciliação consigo mesmo. Não quer, de modo algum, se reabilitar, porque não há nada realmente do que se reabilitar. E nem para onde ir, além deste lugar para onde ele, voluntariamente, se encaminhou. Diante da plenitude burguesa, Oslo, 31 de Agosto faz uma opção esclarecida pelas pequenas epifanias que acontecem no meio do nada.

Outubro de 2012

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta