Os Mercenários 2 (The Expendables 2),
de Simon West (EUA, 2012)

por Raul Arthuso

Know-how de macho

Algumas mudanças de tom são evidentes em Os Mercenários 2 com relação ao primeiro filme: o humor desconcertante de auto-ironia deu lugar à paródia, mais engraçada porém menos ácida (materializando-se aqui nas cenas com a participação de Chuck Norris); o filme de missão se mostra de ritmo cadenciado perto do pé no fundo do acelerador do filme bélico que é essa sequência; a trama pulverizada na ação dá lugar a uma super-trama mais, por assim dizer, elaborada. Enfim, as diferenças básicas parecem se explicar pela troca de batuta das mãos de Sylvester Stallone para Simon West (Con Air, Tomb Raider) e do vilanato passar de um ditador qualquer de uma república fictícia da América do Sul (ainda que as semelhanças não sejam mera coincidência) para um mercenário encarnado por Jean-Claude Van Damme.

É claro que, se buscarmos um autor para o filme, Os Mercenários 2 é tão filme de Sly quanto o primeiro e toda a ação aqui não se deixa enganar. Como o anterior, Os Mercenários 2 é um filme de ação, de porrada, de explosão, de luta, de tiro. Um filme de descer o cacete nos vilões. Assim, a série continua sua luta por “colocar as coisas no lugar”: depois de um período em que o cinema de ação virou autorreferente até o paroxismo – e algo como Mandando Bala passa a ver o filme de porrada como fim em si –, Christopher Nolan protagonizou a tentativa – por enquanto, vitoriosa junto às platéias – de abismar o filme de ação no intelectualismo masturbatório: A Origem não é apenas um diretor consagrado realizando um blockbuster autoral; também é uma guinada à dignificação de um gênero vulgar.

Os Mercenários
(os dois) seriam o antídoto capitaneado por Stallone, com uma trupe de fortões para sujar a faxina que nunca foi requisitada. Essa cruzada continua: em oposição ao complexo mundo virtual, um universo ficcional tosco, com aviões caindo aos pedaços, canhões e explosivos tomando o lugar de armas de precisão e artilharia especializada, motocicletas gritando e rock n’ roll. É curioso que, em dado momento, Sly e sua trupe cheguem a uma reprodução cenográfica de Nova York onde antigos agrupamentos soviéticos treinavam um possível ataque aos americanos. Esse mundo cenográfico é uma armadilha da qual só se pode escapar pela bala e combate frontal, um campo de batalha pré-mundo virtual computadorizado, cuja modelagem é acessível às mentes brilhantes do blockbuster pós-moderno.

Logo na primeira cena, Stallone e Jason Statham (seu herdeiro mais notável) invadem uma base militar para resgatar seu contratante, quando chega um helicóptero militar inimigo para atacá-los. Quando um deles atenta para a necessidade de dar um jeito no helicóptero, eles se perguntam mutuamente: “Alguma idéia?” – pergunta retórica num certo sentido, mas plena de significado no contexto em que nenhum dos dois têm qualquer idéia sobre o que fazer na situação a não ser entrar em ação e se livrar do helicóptero. Stallone continua, desde Rambo IV e Rocky Balboa, a fazer seu cinema, a expor-se às vezes com constrangimento tão grande quanto os piores momentos de sua carreira (como O Especialista), reafirmando que, em essência, ele continua a ser um pouco desses dois personagens: um guerreiro assombrado por todos os amigos que se foram e um lutador que aprendeu a vencer nas ruas.

O que foge um pouco ao domínio da figura-chave de Sly é a pulsão que move o humor e o clima do filme. Nas mãos de um diretor “profissional”, um artesão da indústria contratado para fazer um filme de ação competente, Os Mercenários 2 troca a paixão de cinéfilo, do antecessor, pela cinefilia. Se o primeiro filme era movido pelo espírito do buddy movie – “vamos nos juntar e fazer um filme?” –, o segundo já se enche de referências a O Exterminador do Futuro nas falas de Schwarzenegger, as piadas com o caráter onipotente de Chuck Norris e o pretenso good acting de Van Damme (além de seu chute giratório, obrigatório em qualquer filme com sua presença). O prazer em Os Mercenários 2 parece intimamente ligado ao fascínio de poder colocar Schwarzenegger, Bruce Willis e Chuck Norris atirando ao mesmo tempo e botar Sly lutando com Van Damme, o que denota um certo saber do “filme de macho” aparentemente ausente do antecessor. Se em termos de humor e andamento (o número de tiros multiplicou-se proporcionalmente às piadas autorreferentes) a mudança na direção se torna sensível, Os Mercenários 2 continua assentado no universo dos moleques adultos, dos bares, das motos, da porrada e, também, das mulheres que amedrontam e assombram mais que o maior dos brutamontes. Esse universo, talvez chulo e vulgar se comparado ao engenhoso mundo de A Origem, continua exponencialmente mais cativante.

Outubro de 2012

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