in loco - cobertura dos festivais
Pachamama, de Eryk Rocha (Brasil, 2008) por
Julio Bezerra Documentário
na estrada
Pachamama pode ser visto como
o desfecho de uma trilogia (Rocha que voa e Intervalo Clandestino)
em que se privilegia a multidão anônima, onde o termo brasileiro nunca está
sozinho. Este novo filme de Eryk Rocha registra uma viagem de 14 mil quilômetros
pelo Brasil, Peru e Bolívia, feita pelo cineasta a convite de uma equipe de pesquisadores,
em 2007. Da selva amazônica à região da antiga civilização inca, a idéia é entender
o que se passa nas nações vizinhas, tendo sempre o Brasil no retrovisor. Logo
em seu início, Eryk Rocha explica as regras do jogo. Este é um filme de estrada,
no qual ele mesmo opera a câmera, pela primeira vez. O longa deve ser montado
durante a viagem. Assim, Pachamama se mostra afinado a uma noção cara às
instalações: o dispositivo, uma estratégia (de filmagem ou narrativa), uma "maquinação",
uma lógica que institui condições, regras, limites para que o filme aconteça.
Cada vez mais presente em documentários, essa estratégia é fundamental nos trabalhos
de Cão Guimarães, Eduardo Coutinho, Kiko Goifman, e se faz presente aqui. Rocha
dá largada a um movimento que produz um acontecimento não dominado por ele. E
assim, o filme caminha entre o domínio das bases deste movimento e uma extensa
falta de controle em relação aos efeitos e eventuais acontecimentos que possam
surgir. Aos poucos, Pachamama (“mãe-terra” no antigo
idioma aymara) recolhe sinais de uma América do Sul em transformação. A câmera
opera como uma extensão do corpo do cineasta. Ela respira, descobre, duvida. Em
suas imagens, as paisagens expressam estados de espírito. O som as amplifica.
A montagem combina transmissões radiofônicas e televisivas, música e falas. Muitas
falas. Pachamama é um documentário de questionamentos, se faz no embate
do cineasta (e sua câmera) com a população anônima das ruas. Rocha circula pela
multidão, aponta a objetiva para pessoas comuns que tecem os mais variados comentários
e reflexões. Assim como em Rocha que voa e Intervalo Clandestino,
o documentarista desprivilegia a figura do entrevistado em prol de seu discurso.
Em sua forma essencialmente desarrumada, o filme registra a desarticulação das
falas de pessoas apanhadas na rua (num discurso simultâneo ao pensamento). O cineasta
não está preocupado com a construção de um continuum de vozes, de um todo
social complexo, e tampouco faz comentários a respeito do que filma. Só
que falta ao longa um mapeamento mais claro de sua construção. Se este já era
um problema em Intervalo Clandestino, ele se mostra maior agora, quando
a política não é mais o tema dominante e o espaço a ser enquadrado triplica. Pachamama
acaba construindo um fluxo pouco articulado de temas e recortes, principalmente
na disposição de seus corpos falantes. É um filme digressivo ao extremo: as falas
que o compõem parecem nunca receber o tempo que merecem. Diante das 80 horas de
material bruto, um corte de 100 minutos parece mutilado, pouco natural em seu
ritmo e em seu desenvolvimento narrativo. Vale dizer, porém, que todo esse material
deu origem também a uma série televisiva em seis capítulos, exibida no Canal Brasil
e na TV pública do Paraná. Vale dar uma olhada, e ver se ali ele se complementa
melhor. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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