in loco - cobertura dos festivais
Pater,de Alain Cavalier (França,
2011)
por Filipe Furtado
Dispositivos
de poder
Existem muitas relações de controle possíveis
no ato de dirigir um filme, do mais obsessivo domínio de
cada elemento em cena à burocrática administração
de uma série de contribuições, até
conscientemente abrir mão deste controle em favor de parceiros
ou do acaso. A trajetória de Alain Cavalier engloba estas
diferentes esferas de poder do cineasta, seja no set, seja nas
relações com produtores e/ou financiadores: de cineasta
comercial burocrata nos anos 60 a cuidadoso esteta nos anos 80,
até a descoberta da liberdade possível do cinema
digital com uma série de filmes-diários ao longo
da última década. Lembrar tudo isso é útil
ao pensarmos sobre Pater, um filme sobre relações
de poder dentro e fora do set de filmagens.
Pater
representa tanto uma virada como uma radicalização
do processo iniciado por Cavalier com Viés (2000).
Virada, pois quebra o processo de depuração dos
quase home movies recentes do cineasta, com elementos
muito mais elaborados de ficção como - Vincent Lindon
e o próprio Cavalier interpretando ao mesmo tempo a si
mesmos e como políticos franceses. Radicalização,
pois a parceria com Lindon não significa trazer um ator
pra dentro do projeto digital caseiro de Cavalier, mas um verdadeiro
comparsa disposto não só a comprar toda a lógica
do projeto, mas a genuinamente se comportar como co-autor do filme.
Assim, vemos Alain Cavalier-cineasta convidar o Vincent Lindon-ator
para o filme e frequentemente interromper o processo para conversar,
mas vemos também Cavalier-presidente e Lindon-primeiro
ministro nos bastidores do poder com campanhas e negociatas. O
dispositivo proposto por Cavalier passa ao largo da ficção
política tal qual a imaginamos, reduzindo tudo a alguns
poucos homens (Cavalier, Lindon, alguns assessores interpretados
por amadores). O
achado de Pater é justamente reduzir a política
a sua essência: dois homens sentados a conversar,
trocando idéias e objetivos. O exercício do poder
tem pouca relação com ideologias ou realizações,
mas com esta troca constante. Deste mínimo, Cavalier
e Lindon tornam a política quase um jogo infantil, como
dois amigos brincando de homens de poder. Temos a política
menos como teatro e mais como uma diversão para aqueles
que exercem o poder. Se a prática política
é um jogo a dois, nada mais adequado do que reduzi-la a
um jogo infantil. Nada poderia ser mais sério e observado
como um olhar crítico: a brincadeira de Cavalier e Lindon
aos poucos se revela muito mais séria e relevante do que
a maioria dos dramas de consciência política que
o cinema nos proporciona de tempo em tempo.
Seria, porém, um jogo estéril se Cavalier falhasse
em manter o tom íntimo dos seus longas recentes. É
esta intimidade que ilumina as aparências e representações
de poder que o cineasta e seu ator constroem. Numa das melhores
seqüências do filme, Lindon chega ao apartamento do
cineasta (que se desdobra como set principal do filme) e é
recebido por Cavalier com um “bom dia, primeiro ministro”,
engatando em seguida um monólogo sobre sua manhã.
Porém, não se trata de um monólogo ficcional
sobre a manhã de Lindon-primeiro ministro, mas (ao menos
aparentemente) um monólogo sobre a manhã de Lindon
antes de vir para a filmagem. Este intervalo estabelecido ali
entre ficção e jogo, e como ele todo impulsiona
a brincadeira política, é talvez o momento mais
importante do filme. É este intervalo também que
aponta para como, a despeito de toda sua espontaneidade, o dispositivo
de Pater é mais centralizado e menos democrático
do que aparenta. Pater se revela um filme-conceito muito
mais fechado do que sua dupla de autores desejaria. O filme faz
seu dispositivo valer, mas não consegue existir para alem
dele. Não à toa, as cenas que existem completamente
fora da ficção (e não no limite dela, como
a chegada de Lindon ao apartamento) são as mais frágeis
do filme. Pater se revela um filme diagnóstico
sobre o jogo político, mas falta-lhe imaginação
para atravessar este conceito inicial.
Outubro de 2011
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