in loco - III festival de paulínia

Dia 4: O simples é muito
por Paulo Santos Lima

Boa parte das críticas negativas a As Cartas Psicografadas por Chico Xavier (o longa documentário exibido neste quarto dia) me parecem inconsistentes como fundamento crítico. Como disse anteriormente ao analisar o filme em texto publicado por ocasião de sua exibição no Cineop, a experiência de assisti-lo é árdua. Isso afeta o mergulho ocular na superfície imagética; agride o gosto – e o gosto, sabe-se, é justamente o “sim” e o “não”, e o que foi comentado, grosso modo, era “como” o filme deveria ser. O rigor da diretora encontra sentido justamente naquilo que o documentário fala: sobre a dor da perda, por parte de mães cujos filhos morreram. Como filmar isso? Obviamente, sem concessão ou graça, até por respeito aos filmados. Querer refresco ou algum conteúdo que seja transcendental, maior, “útil”, é uma exigência de quem vê, jamais obrigação de um filme, que já faz muito em tentar encontrar a imagem da perda, da ausência. Esta imagem, que é entre depoimento e outro um plano de 30 segundos mostrando a sala onde ocorre a conversa vazia, é que gerou constatações bastante equívocas. Não há, pela extensão do tempo e falta de sentido (um espaço onde não rola a “cena”, o drama), um plano tão exato em retratar o apagamento de algo como esses que nos são mostrados ao longo do filme. Achar, como muitos parecem ter achado aqui, que bastaria um desses planos para entendermos o que o filme quer dizer é não perceber a intenção do procedimento: honrar a ética, pois cada dor de mãe é uma dor específica, única, dela, íntima.

Esse plano vazio, tão criticado por sua recorrência e duração, é resultado de uma opção muito feliz de Grumbach, que é trabalhar dentro de um registro mais direto, simples. E é essa a palavra: simples. É simples, direta, limpa, também, a forma como outro respeitável filme deste festival lida com seu assunto, Uma Noite em 67. Essa simplicidade é vista como modéstia, fraqueza, meio-termo. Mas, dependendo do projeto, é justamente o contrário: a limpidez que mostra o rosto do filme, sem firulas. Só para concluir esse assunto, um exemplo: As Doze Estrelas de Luiz Alberto Pereira, cuja realização é extremamente pretensiosa, querendo tratar de vários assuntos e contando com grande equipe, é um show de horrores visual. É justamente a falta de simplicidade de um cineasta com currículo de um único trabalho interessante (Hans Staden), que assassina qualquer solução visual. Confunde-se o simples com o simplório. E sem o simples, sem o direto (direção), temos o simplório, o reles.

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Eu Não Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro (São Paulo, 2010)
Desenrola, de Rosane Svartman (Rio de Janeiro, 2010)

Simples é, também, o curta Eu Não Quero Voltar Sozinho. O filme de Daniel Ribeiro usa, em 15 minutos, o essencial para contar a história de um adolescente cego, Leo, que tem uma melhor amiga, Giovanna, e um novo amigo, Gabriel. Por infelicidade da mocinha, que é meio gamada nele, Leo passa a se interessar por Gabriel, descobrindo-se sexualmente. Isso é mostrado com certa sutileza, sem estardalhaço, e, mais importante, a cegueira do protagonista não será um drama, mas sim um outro modo do curta mostrar o assunto. Mostrar, mais do que contar, pois estamos em mais um tema que bem poderia ser um episódio de Malhação, mas com a sorte, bastante superior, de não ser um serviço em prol dos deficientes físicos ou esforço para estes serem reconhecidos e legitimados. Leo não tem nenhum dom ultra. Ele é um adolescente apaixonado por outro e ponto. Filme simples, talvez simples demais, “bonitinho” demais, com uma estrutura um tanto encadeada demais (para um filme que bem poderia ser um pouco mais livre e solto), mas Ribeiro consegue filmar numa rara proximidade e entendimento de seus personagens.

Já Rosane Svartman está a milhas de distância de seus personagens, em Desenrola. O que, em princípio, não é um problema, mas confirma algo acerca dessa onda de filmes sobre jovens que estão longe de serem filmes jovens – menos talvez por serem filmados por cineastas que já passaram dos 30, 40, 50 anos, mas porque fazem um cinema que poderíamos chamar de velho. Murilo Sales, até Nome Próprio, é um exemplo, assim como Laís Bodanzy e seu As Melhores Coisas do Mundo. Talvez seja até leviano citar a idade dos realizadores, afinal Gus Van Sant, aos 58 anos, é o cineasta que melhor se aproxima da juventude. Mas o fato de Svartman ter vivido nos anos 80 justifica-se com o tipo de cinema e o distanciamento ao universo que ela quer tratar neste Desenrola. Mulher que viveu os anos 80 e começou a filmar nos anos 90 utilizando como gabarito a dramaturgia rasa e ligeira da comédia televisiva, Svartman olha hoje os adolescentes como uma mãe enxerga seus filhos: um olhar distante e cuja tentativa de aproximação se faz desajeitada.

Priscila (Olivia Torres) é a garota de 16 anos que aproveita a viagem da mãe (Claudia Ohana) para deixar de ser virgem com o galã da escola pelo qual ela é apaixonada. No meio disso, seu colega, o atrapalhado Boca (Lucas Salles), fica a fim dela e tentará conquistá-la. A estrutura quadrada e óbvia não seria um problema se houvesse algum conteúdo extra, algo mais específico (e aí lembramos da excelência das comédias de Judd Apatow). Mas é nessa própria estrutura narrativa que a clicheria e a falta de jeito em falar sobre esses jovens ganham bastante força. E aí não dá para deixar de lembrar do filme de Laís Bodanzky, com a mesma problemática de querer falar de muito parecendo entender pouco ou, pior, falar de algo “elevado” – o que recai num rebuscamento de garrancho. No caso de Svartman, a coisa pega: a pretensão e a conseqüente dificuldade em falar sobre esse assunto nos chega através de imagens parentes de Mais uma Vez Amor, agora contando um casadinho de Malhação com novela das 8.

Julho de 2010

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