in loco - IV festival de paulínia

Dia 5: A publicidade convenceu
por Raul Arthuso


Os 3, de Nando Olival

Em um texto sobre o filme Gêmeas, Inácio Araújo apontava uma pergunta passível de ser formulada pelo espectador que vê a obra: “afinal, este filme está anunciando o quê?” Os 3 torna a pergunta obsoleta, pois agora está claro: tudo está à venda – o que se toca, o que se beija, o que se come, o que se lê, mas principalmente o que se vê. As imagens não dizem nada, apenas vendem uma idéia – aqui, uma idéia de afeto que se pretende ousada e um simulacro que se pretende mundo. Os 3 parece estabelecer como definitiva a estética do “pack shot” (expressão que se refere àquela imagem onde o elemento humano está ausente, e se ajeita toda a imagem para um plano-detalhe hipercontrolado): todo o filme é feito de uma superfície sedutora, bela, moderna, fácil de abrir e de consumo rápido, pois de conteúdo rarefeito.

Logo na abertura do filme, uma narração em off afirma sobre o encontro dos três personagens – uma bela jovem e dois rapazes – como algo mágico, extraordinário, enquanto a imagem não filma nada que se toque, que se sinta, algo que se veja. Há apenas o efeito criado por uma imagem-fetiche de superfície e o recurso da palavra.
Depois, há a sugestão do erotismo, já que o filme tem como núcleo central um triângulo amoroso formado pelos três, agora melhores amigos, como indica mais uma vez uma sequência de imagens desconexas que tentam dar conta, por meio da voz off, do “maravilhoso” período de quatro anos vivido por eles. Para manter essa maravilha, que nem vemos nem sentimos, eles se dispõem a serem trancados e observados em uma casa onde tudo está à venda por um site de uma empresa de publicidade. Eles começam a encenar suas vidas e fingir um romance a três, com direito a um sexo grupal que nunca se concretiza, mas é simulado para as câmeras que os filmam o tempo todo. Mesmo o sexo a dois, ainda que sugerido, é interditado como imagem pregnante: quando se trata de uma cena heterossexual, ela sempre termina a portas fechadas, ou com uma bela luz de recorte de sombras que esconde a sexualidade, quando não com planos que cortam parte dos corpos para fora de quadro. Já as pulsões homossexuais são sempre ganchos para piadas e estranheza.

O público, anestesiado com o efeito, segue em frente, pensando na complexidade de uma relação que acontece apenas como simulacro fajuto. Passa então a aceitar como normal um mundo-travesti que suplanta o contato com o mundo de fato. O filme permanece basicamente em dois espaços: a casa onde vivem os garotos e a agência de publicidade, onde dois arautos envelhecidos comandam o destino das personagens. O mundo externo entra no jogo apenas como quantidades (dobros, triplos, máximo) que consomem no site da empresa. Não chega a surpreender que o título do filme seja grafado Os 3 com numeral, pois é este signo que rege o mundo do filme: um símbolo que remete a uma idéia, mas que se faz de idéia em si, escondendo a matéria a qual se refere. Afinal, são 3 o que?

A forte sugestão de fundo publicitário é a grande operação formal do filme. Primeiro sugere-se como um filme ironia/discurso sobre uma realidade midiática pós-reality shows. Porém, num reality show existe uma relação intrínseca entre o confinamento e a prisão, o que mantém viva a ideia de uma vida exterior àquele simulacro. Aqui, por outro lado, o confinamento dos três é a própria vida, é um mundo em si, negando o exterior. Sugere-se, então, uma relação complexa da própria dramaturgia, uma visão irônica das coisas. Só que a ironia pressupõe uma tensão entre o agente e o objeto que, pelo operação do "ironista", acaba em afirmação. Não é o caso aqui; não se afirma nada. É um dizer que disse, apenas, evitando as tensões entre objeto e o agente. Quando uma personagem “se revolta” e recusa o simulacro, ele vai pra um mundo de fora onde só o que há a fazer é assistir o dentro – e este mundo é filmado tal e qual o mundo da casa (mesmos filtros e efeitos, mesma cenografia descontextualizada e anacrônica, mesma mentira em suma).

Se há uma afirmação no filme, sua fonte é sintomática: as pessoas envolvidas na agência de publicidade dizem o tempo inteiro sua intenção e ideais. Regulam e afirmam, como fazem com os três jovens da casa, deixando explicitada a mediação para em seguida operar desta maneira. O caso mais evidente é o dos dois velhos donos da agência. Suas cenas têm teor cômico, luz clara, suave; cria-se simpatia com a defasagem deles em relação ao mundo contemporâneo. Mas são eles que definem a história do filme, até o momento apoteótico quando enumeram tudo que já aconteceu na trajetória do trio (logo no filme), e propõem que aquilo acabe logo, se fazendo um happy end – o que acontece em seguida. Esse cinismo de aparências mostra a soberba dessa estética de efeitos da publicidade em relação à construção cinematográfica, como se o cinema fosse apenas construção (quantitativo, dominável), e a publicidade fosse uma nova possibilidade, uma modernidade, um "além do clássico". A publicidade já conquistou o sistema de produção, depois se implantou sorrateiramente como um pensamento estético, emulando um mundo que nos é exógeno, e agora enfia goela abaixo essa realidade de plástico como um simulacro da vida. Se a publicidade venceu, como afirmara o crítico Luiz Carlos Oliveira Jr em um texto, ela agora convenceu. E ri da nossa cara.

Julho de 2011

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