O Golpista do Ano (I Love You Philip Morris),
de
Glen Ficarra e John Requa (França/EUA, 2009)
por Eduardo Valente

Exílio temático

Não só O Golpista do Ano tem como protagonista uma das grandes estrelas da Hollywood recente em Jim Carrey, como tudo que diz respeito ao filme é americano até a alma: não apenas ele é filmado em locações em três estados diferentes (Geórgia, Florida e Texas), em situações que dizem respeito profundamente aos Estados Unidos, como principalmente possui uma apreensão aguda de uma certa idéia de sonho americano como um imaginário hiperpresente (mesmo que pela negação), ou ainda referências bastante específicas a situações sócio-políticas do país, como a passagem de George W. Bush pelo governo do Texas. Por isso tudo, não deixa de ser chocante pensar que o filme seja financiado por uma corporação cinematográfica internacional baseada na França (a Europacorp fundada por Luc Besson) como principalmente saber que, no mercado americano, O Golpista do Ano foi relegado de saída ao mercado de DVD, sem passar pelas salas de cinema.

O fato é que se há uma enorme qualidade deste belíssimo primeiro filme, ela é justamente uma das que mais caracteriza o cinema americano: um impressionante domínio sobre a narrativa e sobre a empatia de seus personagens com o espectador. É realmente incrível ver como os roteiristas-diretores constroem seu filme com uma noção de ritmo interno e externo às cenas que garante que, em pouco mais de hora e meia de projeção, eles passeiem com enorme fluência por alguns gêneros bastante opostos (como a comédia maluca ou o melodrama – criando ainda alguns realmente novos como o “romance de prisão”), mantendo o espectador sempre ao lado de seus personagens. Não se trata, porém, de apenas dominar a arte da escritura segundo um modelo narrativo: Ficarra e Requa têm um olho bastante sofisticado para a montagem de sua mise-en-scène, garantindo que o sucesso da maioria de suas melhores piadas venha sempre de um posicionamento de câmera preciso, de um corte no momento certo, de um domínio da movimentação dos elementos dentro do quadro. Todas estas, sabemos, artes profundamente dominadas pelo cinema americano mais direto, que afirma a pujança dos relatos ficcionais, como é o caso aqui.

Claro que não é difícil saber que o principal motivo para o sumiço do filme das salas (ou dos financiadores) americanas é a forma pela qual o ele se coloca como uma love story gay com direito a alguns momentos de enorme frontalidade na exibição não somente de cenas de algum considerável grafismo (como Ewan McGregor cuspindo no mar o resultado de um boquete ou Jim Carrey mandando ver todo suado num moço barbudo de quatro), mas principalmente de uma sensibilidade que não pede desculpas em nenhum momento. De fato, talvez esse seja mesmo o que de mais subversivo o filme apresenta: menos a sexualidade latente (que é reservada a alguns momentos específicos, por mais diretos que sejam), do que a afirmação radical deste romance quase ideal protagonizado por duas figuras de tamanho reconhecimento público como o são Carrey e McGregor. No entanto, mesmo que isso tudo fique bem entendido, ainda assim não deixa de ser incômoda essa sensação quase século 19 (ou primeira metade de século 20) de que algo tão profundamente sensível como este filme possa ser considerado inadequado para circular abertamente.

Outubro de 2009

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta