Polissia (Polisse),de
Maïwenn (França, 2011)
por
Raul Arthuso
Cinema
"do bem"
Polissia mostra o cotidiano de um
batalhão da polícia especializado em crimes contra
menores. A corruptela no título indica, de alguma maneira,
o projeto artístico do terceiro filme da atriz Maïwenn:
tentar fazer um filme que trata de pedofilia sem a gravidade natural
pedida pela temática. Assim, a diretora cria muitos momentos
de alívio através de diálogos cheio de gírias
e palavrões, conversas sobre sexualidade e ato sexual,
cenas de festas e descontração dos policiais, piadas
com algumas das situações – trágicas
– apresentadas no filme.
Maïwenn usa um procedimento aparentado de Entre os Muros
da Escola, de Laurent Cantet, ao reencenar casos reais que
ocorrem numa delegacia de crime contra menores. Até mesmo
a economia de planos e o ritmo de Polissia lembram o
antecessor francês: a câmera na mão próxima
ao atores, seguindo seus movimentos, uma encenação
que dá a impressão de liberdade e improviso, ainda
que claramente se trate de uma cena escrita. Porém,
ele diverge do filme de Cantet na medida em que, enquanto Entre
os Muros da Escola compõe um quadro da relação
daquelas personagens baseando-se num espaço fechado,
Polissa se faz de fragmentos do cotidiano dos policiais,
o que cria a grande força, mas também uma fraqueza
crucial no filme: se por um lado, a fragmentação
dá uma leveza e fruição interessantes para
um filme de tema tão pesado, por outro ele atravanca o
desenvolvimento das personagens e de algumas situações
(as da parte final do filme principalmente). Aqueles que são
melhores entendidos, é porque aparecem muitas vezes revelando
traços novos ou aprofundando os anteriores, como é
o caso de Fred (Joey Starr), Nadine (Karin Viard) e Melissa (a
própria Maïwenn). Os outros personagens acabam meio
difusos, e em alguns momentos até fica difícil compreender
a personalidade da maioria deles, o que pode dificultar um pouco
a relação de identificação com aquele
universo.
Há também um desejo de mostrar algo mais sobre esse
lado da polícia que as pessoas não conhecem. Isso
se materializa em Melissa, uma fotógrafa contratada para
acompanhar o grupo e tirar fotos que ajudem na divulgação
da imagem da instituição. Não é à
toa que a própria diretora faz a personagem: revela-se,
nessa identificação entre diretor/personagem, uma
proposta de olhar. Algumas vezes as personagens reclamam que sua
imagem perante a sociedade é ruim. Pois o filme Polissa
busca humanizar esses policiais, dar-lhes cotidiano, sentimentos,
frustrações, buscando uma abertura de visão
ao colocar relações que se querem complexas para
essas personagens. É em certa medida uma vontade semelhante
ao brasileiro No Meu Lugar. Porém, enquanto o
filme de Eduardo Valente vai direto para o que quer mostrar porque
tem o desejo de entender aquela situação, Polissia
tem a situação claramente estabelecida: melhorar
a imagem daquelas pessoas perante a sociedade.
A
mediação entre o público e o universo filmado
se dá através de Melissa/Maïwenn, o que fica
mais claro enquanto projeto político do filme quando percebe-se
que as imagens produzidas por Melissa nunca são mostradas
dentro da diegese, já que elas são as mesmas da
diretora. Então, por mais que os casos do batalhão
e o final do filme sejam trágicos, Polissia não
é desconfortável. A tragédia é amenizada
pelo humor pop, os palavrões, o papo sobre sexo, as relações
íntimas daquelas pessoas, criando um todo com uma pegada
que, por mais que seu tema seja espinhoso, é claramente
“do bem”.
Outubro de 2011
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