sessão cinética
Os
Amantes do Pont Neuf (Les Amants du Pont Neuf), de Leos Carax (França,
1991) por Filipe Furtado
Crítica
incompreensão
Os
quatro longas de Leos Carax (Boy Meets Girl, Sangue Ruim, este Os
Amantes do Pont Neuf e o inédito por aqui Pola X) são todos muito consistentes
dentro da sua proposta barroca impressionista, mas Carax deu certo azar de aparecer
para o público cinéfilo no momento errado. Como Boy Meets Girl e principalmente
Sangue Ruim circularam pelo mundo na segunda metade dos anos 80, quando
estávamos no auge da popularidade de Diva e Subway, o que boa parte
da crítica viu foi apenas o estilo agressivo de Carax, e como Denis Lavant correndo
ao som de “Modern Love” de Bowie poderia ser jogado na mesma pilha do maneirismo
publicitário de um Luc Besson ou Jean-Jacques Beineix. Pouco importam as outras
informações disponíveis, que apontavam Carax como um cineasta de olhar mais articulado
e de raízes bem distantes daquela dupla – como os textos que publicara ocasionalmente
na Cahiers du Cinema, que mostravam uma paixão evidente pelo cinema mudo e certo
drama com tintas excessivas; ou o fato de que fora convidado a fazer pontas em
filmes de Philippe Garrel e Jean-Luc Godard. Mas a pecha de publicitário já havia
sido distribuída apressadamente, e até hoje Carax tem dificuldades para se livrar
dela. Qual seria este seu projeto
então? O que mais chama atenção em Os Amantes do Pont Neuf é uma soma de
3 características muito diferentes: o tom obsessivo que toma conta do filme; a
relação particular com sua Paris de estúdio; e, por último mas talvez a mais essencial
e vital delas, a presença eminentemente física que o filme aos poucos impõe. Os
dois primeiros pontos são intimamente ligados e vale embrar que o filme teve uma
produção das mais conturbadas – mais caro filmes francês até então e quase 3 anos
para ser concluído. Os Amantes do Pont Neuf é um filme de um obsessivo
ambicioso trabalhando com um cheque em branco. Parte do seu charme brota dali
– como também acontece nos primeiros Welles, Ivan, o Terrível ou A Idade
da Terra. Sobretudo, existe um paralelo muito claro entre a forma minuciosa
com que Carax constrói seu filme e a história de amor louco que narra. A
grandiloqüência do filme também informa muito da filiação cinéfila de Carax. Seus
modelos aqui estão longe da tolice de um Besson ou Beneix, muito mais próximos
de um Aurora de Murnau ou Playtime de Jacques Tati. Carax deseja
construir, à sua maneira, uma celebração da sua Paris similar à destes outros
filmes. Há o mesmo mundo deliberadamente artificial, o mesmo desejo de usar infinitos
recursos para desbravar um universo de forma muito peculiar. Podemos falar igualmente
do absurdo que é reconstruir em estúdio toda uma região para narrar um caso de
amor entre dois mendigos – incluindo a famosa ponte que empresta titulo ao filme
–, como da maneira como seu protagonista cruelmente decide, ao saber que sua amada
que está ficando cega teria uma chance de recuperação, esconder esta informação.
Isso tudo se desdobra no peso
que o filme aos poucos cria. As primeiras sequencias sugerem uma observação do
universo dos mendigos de Paris – não uma observação documental, porque o estilo
de Carax é por demais antinaturalista para isso (não só no barroco das imagens,
mas também em soluções de montagem e edição de som). Aos poucos, somos introduzidos
ao romance e notamos que o objetivo do projeto de Carax é outro: dar-nos uma dimensão
física para aquela paixão. Fazer com que ela ocupe cada plano do filme, torne-se
a guia principal das suas imagens. A
desleitura crítica da qual Leos Carax foi vítima termina por ser grave pela forma
como o impressionismo do cineasta viria a encontrar ecos muito fortes em outras
partes da produção contemporânea. Claire Denis e Olivier Assayas, para pegarmos
dois dos melhores – e muito diferentes – cineastas franceses dos últimos vinte
anos, foram muito marcados pelo filme, e o mesmo pode ser dito de Wong Kar Wai
(e, por conseqüência, os seus diluidores). Os Amantes do Pont Neuf é um
dos filmes mais influentes do começo dos anos 90, mas sua influência pouco foi
observada por conta de uma associação crítica fácil criada anos antes. E este
é um crime de uma crítica muito mais publicitária do que qualquer imagem da obra
de Carax. Abril de 2010 editoria@revistacinetica.com.br
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