ensaios
Pull My Daisy
e a verdade do cinema
por Jonas Mekas, em tradução de Daniel Caetano

Publicado em 18 de Novembro de 1959

Finalmente estreou no Cinema 16 Pull My Daisy, de Alfred Leslie e Robert Frank, e aqueles que assistiram agora irão entender (eu espero) o porquê de eu ter sido tão entusiástico ao falar dele. Eu não sei como poderei falar sobre qualquer outro filme depois de Pull My Daisy sem usar ele como parâmetro. É um parâmetro tão forte para o cinema como The Connection é para o teatro moderno. Tanto The Connection como Pull My Daisy claramente apontam para novas direções, novos caminhos para fora do oficialismo congelado e da senilidade atual das nossas artes, em busca de novos temas, de uma nova sensibilidade.

A própria fotografia do filme, o seu preto-e-branco forte e direto, tem uma beleza visual e uma verdade que estão completamente ausentes dos filmes americanos e europeus recentes. A higienização dos nossos filmes contemporâneos, sejam eles de Hollywood, Paris ou Suécia, é uma higienização contagiosa que parece estar se transmitindo através dos lugares e do tempo. Ninguém parece estar aprendendo nada de Lumière, nem dos neorealistas: ninguém parece se dar conta de que a qualidade da fotografia, no cinema, é tão importante quanto o seu conteúdo, suas ideias e seus atores. A fotografia é a parteira que traz a vida das ruas para a tela, e tudo depende da fotografia para que esta vida chegue na tela ainda viva. Robert Frank foi bem-sucedido em transplantar a vida – e logo no seu primeiro filme. E este é o maior elogio que eu imagino ser possível fazer. Em termos de direção, Pull My Daisy é um retorno para onde o cinema começou, para onde Lumière chegou. Quando assistimos aos primeiros filmes de Lumière – o trem chegando à estação, o bebê comendo ou uma cena nas ruas – nós acreditamos nele, nós acreditamos que ele não está fingindo, não está encenando. Pull My Daisy nos lembra novamente desse senso de realidade imediata que é a primeira característica do cinema.

Não me entendam mal: há várias maneiras de se relacionar com o cinema, isso depende da consciência, sensibilidade e temperamento de cada um para definir o seu estilo, e também depende dos estilos que são mais característicos de cada época. O estilo do neorealismo não foi um mero acidente. Ele não se resumiu à realidade do pós-guerra ou a questões subjetivas. O mesmo acontece com o novo cinema espontâneo de Pull My Daisy. De certa maneira, Alfred Leslie, Robert Frank e Jack Kerouac, o autor-narrador do filme, estão apenas falando do seu tempo da maneira que profetas o fazem: o tempo expressa suas verdades, seus estilos, suas mensagens e seus desesperos através dos seus integrantes mais sensíveis – muitas vezes contra suas próprias consciências. É por isso que eu considero Pull My Daisy, com toda a sua inconseqüência, o mais vivo e mais verdadeiro dos filmes.

Setembro de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta