in loco - cobertura dos festivais
Raul
– O Início, o Fim e o Meio,
de Walter Carvalho (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso
No
mito
Raul – O Início, o Fim e o Meio é
um documentário musical realizado com a consciência
de ser o primeiro filme a abordar a vida do mito Raul Seixas,
pelo menos desde a retomada da produção em meados
dos anos 90. Por isso mesmo, Walter Carvalho sabe que deve abordar
determinados temas, colocar alguns assuntos na tela, obrigatoriamente
entrevistar certas pessoas (destacadamente seus parceiros musicais).
É sintomático, porém, que, na primeira aparição
de Paulo Coelho, parceiro de composições de Raul
Seixas em sua fase mais gloriosa, ele diga que nenhuma história
deva ser contada sobre um mito.
Pois, o fato é que Raul Seixas permanece um mito da contracultura,
do desbunde, do rock brasileiro - diferente, por exemplo, de Wilson
Simonal, cujo filme Simonal – Ninguém Sabe o
Duro que Dei tem um objetivo claro de documentar a vida do
cantor para legitimá-lo, limpar sua imagem, fazê-lo
uma figura interessante e descolada, ou até torná-lo
um herói injustiçado. Já Raul Seixas não:
sua imagem continua intocada, até mesmo mitigada pelo quase
esquecimento do fim de sua vida. Talvez por essa razão,
o filme não tenha uma bandeira clara a levantar: não
precisa defender seu protagonista ou alçá-lo à
categoria de herói, status por ele já possuído.
Resta, então, levar a vida desse mito ao conhecimento do
maior número de pessoas possível. Até por
isso, o filme se contamina pela obra de Raul Seixas, tocando seus
principais sucessos em diferentes versões de diferentes
shows, algo que em certo sentido dá prazer ao espectador
que busca ver seu mito em plena ação.
Por
outro lado, ao mesmo tempo em que o filme tem a consciência
de seu contexto inaugural no retrato deste mito da música
no cinema, há aparentemente uma vontade de ser também
a obra definitiva sobre ele. Isso fica claro na quantidade de
entrevistados no filme e no número de temas abordados.
Por isso mesmo, vários deles são simplesmente citados,
e logo abandonados sem grandes aprofundamentos. Carvalho entrevista
os parceiros de composição mais intensos, todas
as cinco ou seis esposas, os amigos de infância, os produtores,
uma legião de fãs, a empregada com quem passou o
fim da vida, familiares, amigos, companheiros da seita satânica
- até mesmo Pedro Bial (para dar uma visão de fã
ilustre) e o dentista que restaurou seus dentes no fim da vida.
É como se fosse possível abordar a vida de um mito
e dar conta dele – uma missão homérica talvez
fadada ao fracasso, principalmente se lembrarmos dos documentários
sobre grandes figuras do rock americano ou inglês que sempre
se detêm em um momento para levantar questão - o
exemplo mais claro sendo No Direction Home, de Martin
Scorsese, cuja duração de aproximadamente três
horas e meia tenta dar conta de apenas uns seis ou sete anos da
carreira de Bob Dylan.
Há, contudo, um paradoxo nesse escrutínio da vida de Raul Seixas: em nenhum momento os assuntos esmiuçados pela narrativa chegam a arranhar sua imagem. O aprofundamento e as contradições são dos outros. Paulo Coelho é confrontado com a culpa (ou não) de ter apresentado as drogas a Raul, ou de não ter se desligado oficialmente da seita satânica que freqüentara nos anos 70 – momentos nos quais Carvalho vai além da mera entrevista e enfrenta o mais poderoso dos personagens –; a empregada é confrontada com a suspeita de ter se apaixonado por Raul; Marcelo Nova é envolvido na possibilidade de ter se aproveitado de Raul no fim da vida; e, no caso mais evidente, as mulheres com quem Raul viveu é que são escrutinadas sobre seu abandono e seus casos extraconjugais, como se elas é que transitassem em sua vida, e não Raul que trocasse de esposa. Desse jeito, o mito do rock, o herói da contracultura permanece intacto, consolidando a “profecia” de Paulo Coelho em sua primeira aparição no filme. E ficam as fotos, as imagens da loucura, os shows, a música.
Novembro de 2011
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