in loco - cobertura dos festivais
Praça Saens Peña, de Vinicius Reis
(Brasil, 2008) por Eduardo Valente
Política
do olhar
Desde o título, existe uma afirmação
quase política por trás de Praça Saens Peña. A praça do título é um dos
pontos mais marcantes de um bairro imensamente tradicional da cidade do Rio de
Janeiro, a Tijuca, quase sempre alijada da representação da cidade nas telas,
especialmente pelas vias da ficção. Então, o que o filme de Vinicius Reis afirma
de forma imensamente delicada, é a necessidade da quebra de uma invisibilidade,
da chance de dar representação a algo que não tem sido visto (e que, curiosamente,
também tem visto muito pouco, já que a Saens Peña já teve uma das maiores concentrações
de salas de cinema de rua do Rio de Janeiro, e hoje não tem nenhuma). E entre
essas invisibilidades ele consegue um dos mais fidedignos retratos da vivência
carioca do século 21, num cotidiano vivido sem sobressaltos, mas cercado pela
violência urbana latente mesmo assim. No entanto, há bem
mais por trás deste gesto do que apenas a preocupação com um determinado espaço
geográfico da cidade: ao filme de Vinicius Reis importa tanto onde filmar quanto
como e o quê filmar. Porque Praça Saens Peña também parece bem diferente
de tudo que temos visto no cinema e TV brasileiros porque filma os meandros de
uma classe social que no geral interessa pouco por ser dificilmente “rotulável”:
uma classe média baixa que nem se encontra nos morros e favelas, nem nos belos
apartamentos e paisagens – e que funciona mal, portanto, nas reconstituições fakes
em estúdio. Quando se olha para famílias como esta na TV de hoje é pelo viés de
um A Grande Família, com a transformação do cotidiano em “artigo de brechó”,
da vida simples em vida peculiar. Neste filme, não: fala-se de questões como o
dinheiro de cada dia, das necessidades e dilemas do mundo do trabalho, mas também
dos sonhos e das pequenas incompletudes vividas. Ao filme o que interessa não
é a generalidade nem a possibilidade metonímica de significar algo do todo de
uma cidade ou de um país a partir destas pessoas: vemos apenas uma determinada
família, o drama individual de três pessoas nada extraordinárias, passando por
um momento nada extraordinário de suas vidas (embora muito esteja acontecendo
– e não está sempre nas vidas?). E, neste sentido, é sutilmente significativa
a decisão de localizar o filme em 2003, primeiro ano do Governo Lula e ano da
invasão do Iraque: dois momentos extraordinários, só que de um mundo que parece
tão distante de um dia a dia que continua apesar disso tudo. Mas
o verdadeiro pulo do gato do filme é perceber que o retrato deste dia a dia poderia
se acomodar num lugar comum de realismo comezinho, de registrar “a vida como ela
é” e nada mais. O filme, no entanto, é mais ambicioso, e deixa bem claro que está
tratando dos sonhos (por mais simples que sejam) daquelas pessoas, dos momentos
e espaços onde tentam transcender a simples existência. E, acima de tudo, registra
com uma quietude pungente, como este espaço do sonho muitas vezes é o da solidão
em família – pois, sem necessidade de enormes clichês, traumas ou histeria (afinal
um adultério ou uma briga entre mãe e filha não precisam sempre ser espaço da
perversão e da psicose), percebemos como o estar junto e o estar sozinho andam
muito próximos em Praça Saens Peña. Não por acaso, se há um momento do
filme realmente impactante são as caminhadas pelas ruas do bairro que cada um
dos personagens faz, em silêncio. Não sabemos exatamente o que eles pensam ou
para onde vão, mas partilhamos a dura constatação do estar só no mundo, mesmo
protegido e cercado de pessoas que se ama. Nestes momentos, Praça Saens Peña
faz aquilo que é raro no cinema: nos permite ver na vida de um outro a condição
humana de cada um. É preciso olhar com muita calma e respeito para enxergar isso,
e é o que faz Vinicius Reis aqui. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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