Scott Pilgrim Contra
o Mundo
(Scott Pilgrim Against the World),
de Edward Wright (EUA/Reino Unido/Canadá, 2010)
por Cezar Migliorin
Aguardando
minha vez
Baseado nos quadrinhos do canadense Bryan Lee O'Malle, Scott
Pilgrim Contra o Mundo, na verdade, é mais marcado
pelo mundo dos games - tanto no gosto de alguns personagens,
como na estrutura e estética do filme, do que por HQs. O
início pop-retrô ao som de rock pré-grunge levado
por uma banda de jovens que parecem, também, deslocados no
tempo, instaura uma atmosfera leve e divertida. Nesse início,
o filme tira dos games mais do que efeitos espetaculares,
mas uma certa instabilidade da realidade, movida por anacronismos
e mundos fabulatórios. O final dos créditos, por exemplo,
é deliciosamente filmado. O quarto de ensaios é transformado
em uma longa sala, refletindo o espanto da nova namorada de Scott
com a performance da banda. Também nas passagens de cena,
o espectador é levado a um universo em que o espaço
é constantemente transformado pelos estados mentais e pelas
situações dos protagonistas.
A
primeira meia hora de filme produz, no entanto, uma falsa promessa.
Problema típico do cinema comercial que se apropria de certos
mundos (nesse caso o dos games e dos quadrinhos) apenas
como estratégia de sedução baseada em algumas
apropriações óbvias - como opções
gráficas, por exemplo - e não nas invenções
e diferenças que possam advir desses universos. Nesse início,
o filme parece ainda que irá dialogar com os games
de maneira irônica e eventualmente crítica. A ironia
se preserva, é verdade, sobretudo na irrelevância das
tarefas que fazem com que em uma batalha haja um vencedor e um vencido:
tocar atrás do joelho de uma adversária hiper-poderosa,
ou fazer o oponente tomar meio copo de leite, forçando-o
a perder seus poderes especiais.
Essa ironia, porém, é esfacelada pela velocidade e
desinteresse das lutas em que o espectador é apenas plateia
do game dos outros. Nesse sentido, nada mais enfadonho
do que ver os outros jogando videogame. Não há emoção,
nem experiência, apenas o tédio de quem aguarda sua
vez; que nunca chega. Na velocidade final do filme, em que acompanhamos
sequencias de lutas nem cômicas, nem suficientemente impressionantes,
o peso acaba recaindo sobre os bons personagens da banda indie.
Aquela charmosa construção no início do filme
acaba por ficar sem nenhum espaço nas vertiginosas e ressentidas
disputas amorosas. O óbvio final feliz é a negação
do ressentimento reafirmado durante o filme todo. O mocinho - Scott
- acompanha a menina que com 24 anos buscava se livrar do passado
- no filme não é tão engraçado como
pode parecer - enquanto a jovem de 17 anos, apaixonada por Pilgrim,
libera o namorado para a felicidade.
Scott
Pilgrim acaba por ser fiel ao que
há de menos interessante nos games em que, apesar
de toda fragmentação do espaço e da atenção,
não há experiência sensível que se acumule,
apenas uma prática de reações sensório-motoras
em que a ação deve ser a mais rápida possível,
garantido a pontuação e a sobrevida. Minha dificuldade
cognitiva, infelizmente, não foi colocada à prova
com o filme de Wright. Nem os quadrinhos, nem os games
forçam o filme a uma escritura que o leve para além
de um certo pastiche do que é esta relação.
Janeiro de 2011
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